sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

O Jogador

O JOGADOR


Um jogador nunca saberá ao certo o gosto que tem um diálogo desinteressado entre um homem e uma mulher, o fruir de uma amizade, um flerte, e, muito menos, a força e o encanto de um amor verdadeiro: como acomodou-se com a mediocridade do seu quinhão, agora, à espreita, silencioso confabula, espia, arma o bote contra a sua presa: atrevido deduz que com certeza ele a pegará na curva; tudo será apenas uma questão de tempo. Sem discernimento sobre as coisas da dor, o jogador subjuga, iguala, descompromete-se, nivela por baixo, atreve-se.
Ah, com certeza você se sentiria um idiota nas mãos de um jogador!
Um jogador manipula, apropria-se do pensar e do agir do outro com uma certa empatia, da forma que mais lhe convém. E, se possível, sofre por antecipação, porque, por antecipação, ele também tudo espera a seu favor..., julgando o caráter do outro sem nenhum critério ou esforço que requeira qualquer envolvimento emocional da sua parte, só a sua conveniência lógica: o jogador intui-se inteligente demais para manter um certo “intercâmbio” desinteressado com os outros pobres mortais. E é por isso que ele não faz confidências, não partilha, não comunga, a não ser com pessoas que vão de encontro aos seus interesses. Um jogador reluta sempre em revelar-se nas palavras, em “mostrar-se...” em seus sentimentos..., em confessar-se nos gestos, porque usa máscaras o tempo todo. Mas, em contrapartida, ele nunca conhecerá a chama da cumplicidade que brota de uma confidência espontânea.
O jogador é um ser extremamente solitário. Embora viva sempre rodeado de gente. E fale para muitas gentes...
Um jogador não tem alma. Logo, ele não possui um coração “de verdade...” para confessar-se... em seu amor..., em sua dor..., porque ele é impassível. Por isso, os jogadores jamais suspirarão ansiosos, jamais serão arrebatados pela adrenalina da paixão que nos faz perder o sono, andar perfumados e sorridentes na rua, e nascer de novo; eles jamais entenderão a questão do “corar-se,” jamais esperarão cartas sinceras...; os jogadores definitivamente não se entregarão, não sofrerão por amor..., porque, incrédulos, são vazios de corpo e alma, já que são pessoas “afetadas...”
Aos exímios jogadores, os meus pêsames!

VERA FORNACIARI

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

ANTÔNIO MARIA...,RUBEM BRAGA..., CHICO SÁ!

ANTÔNIO MARIA..., RUBEM BRAGA..., CHICO SÁ!



Não é feio dizer que não faz muito tempo que conheci a força do romantismo de Antônio Maria. Apaixonei-me. Perdidamente (também pudera: apaixonei-me até por “Bambi...”). Mas que mulher “normal” não ficaria lisonjeada com o seu “Café Com Leite?” Que mãe normal não se convalesceria diante da sua sofrida “Conversa de Pai e Filha? Não é nenhum mérito particular apaixonar-me por algo grandioso assim. Com certeza, todas as românticas do mundo, adeptas ao água-com-açúcar, como eu, o fizeram.
Mas só quem encontrou Rubem Braga distraída como eu em “Os Amantes,” para ser pega de surpresa com toda a intensidade de um texto sedutor. Profundo, Rubem gela até a alma. Cheguei a sentir a sua respiração ofegante naquele apartamento abafado, cuidando, amando, sofrendo, com toda a força do seu amor.
...Nos últimos dias, andei muito bem acompanhada lendo verdadeiras lições de sensibilidade e delicadeza, que, aliás, todos os homens deveriam ler. Principalmente se o Mestre for Chico Sá, dando uma aula magna sobre as peculiaridades da alma feminina em “Quando As Mulheres Acordam.”
Crônicas: subjetividades do cotidiano que transcendem e eternizam-se, quando de exímia excelência!

VERA FORNACIARI

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Capim Branco

Meus queridos:

Primeiramente quero desculpar-me pela ausência: estou na reta final do meu livro e do meu curso, imaginem a confusão.Bem, hoje vou deixar aqui um roteiro que fiz para o meu curso de publicidade, no qual o desafio era usar um anacoluto. Espero que gostem. Beijos. Não me abandonem... Vera Fornaciari.

PEÇA: VT Institucional 30”
CLIENTE: Consórcio Capim Branco
TÍTULO: Consórcio Capim Branco, preocupado com o meio ambiente.
Aluna: Vera Aparecida Fornaciari Bernardes
Comunicação Social- Propaganda e Publicidade
Obs- o desafio deste texto era usar um anacoluto

ÁUDIO VÍDEO

Narração masculina.
Trilha.

LOC:

Tão primordial quanto trazer aos olhos a benevolente luz; condições sendo criadas para que a vida continue a existir na terra.

LOC:

100 milhões de metros quadrados reflorestados com mata nativa.
50 espécies da fauna, devolvidas ao seu habitat natural.






LOC:

Consórcio Capim Branco : garantindo a perpetuação da espécie.


Em plano aberto, ao longe, em noite escura, mostra cena de mansão rural construída no meio da mata com apenas um claro de vela acesa dentro da casa. De repente, todas as luzes se acendem de uma vez só., mostrando os benefícios da luz.

Em plano médio mostra trabalhador plantando uma árvore. Take nas mãos do trabalhador colando a muda na cova. Ao fundo aparecem várias árvores plantadas, vários trabalhadores.

Mostra macaquinho fazendo gracinha na árvore. Take numa bela orquídea selvagem florida. Corta para cena aérea da área totalmente reflorestada.( Fazer a tomada com uma lente grande angular). Mostra as plantas típicas do cerrado com placas de identificação com seus respectivos nomes.
Mostra a diversa fauna existente, preservada na região. Mostrar takes de maior quantidade possível de animais.




Mostra uma família bonita com pai, mãe, e duas crianças debaixo de uma linda sombra fazendo pic-nic. Sobre a grama: uma toalha xadrez, vasilha de palha, sonhos, frutas, flores, suco de laranja.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

ORAÇÃO CONTRA O MAL BÍBLICO

ORAÇÃO CONTRA O MAL BÍBLICO
Para quando a inveja bater mais forte:

Ensina-me, Senhor, com tua infinita sabedoria, a dobrar os meus joelhos em sinal de humildade, para que eu possa compreender com resignação as fraquezas dos que me invejam, perseguindo-me, e a superá-las com toda a serenidade da minha alma. A inveja não é um mal do tempos modernos – ela é bíblica. Logo, um mal generalizado e incurável, presente no nefasto coração humano, como sendo resultado da ambição, e prima-irmã da frustração.
Ajude-me, Senhor, com tua bondade, aprender a perdoar de coração aos que tecem comentários maldosos sobre os feitos do meu trabalho limpo e desinteressado, que eles sequer conhecem bem para julgá-lo com sabedoria. Os meus feitos, não se tratam de pieguices, são humanidades: nesta vida, nem tudo se resume à alegria descompromissada do axé, à leveza artificial e mentirosa dos comerciais de shopping centers - embora a tendência do superficial mundo globalizado seja mesmo a de transformar tudo numa grande gargalhada -, inclusive, as trágicas questões socias.
Senhor, ensina-me a lidar com sabedoria com os ingratos, que, volúveis, têm memória curta e facilmente mudam de lado conforme o sabor da sua conveniência. Ajude-me a lidar com os dissimulados que me sorriem, mas que, pelas minhas costas, me blasfemam com comentários maldosos, machucando-me, só porque temem que eu cresça.
Faze com que entendam, Senhor, de que levar a cabo as minhas convicções, defendendo-as, não se trata de irreverência: uma pontinha de orgulho profissional faz parte do universo daqueles que acreditam na luz própria do seu trabalho, já que será justamente esta auto-confiança que determinará que tipo de profissional serei eu amanhã.
Ai, Senhor, mas livra-me, principalmente, do fantasma dos inseguros, que, sentindo-se diminuídos diante da capacidade do outros, tudo temem, enxergando ameaça nos gestos mais aleatórios.
Bem o sabes, senhor: o pouco que realizo é fruto exclusivo de minha dedicação, fazendo bom uso dos dons que me deste. E como tu mesmo pediste, em vez de enterrar o meu talento – mostrei-o! Ah, Senhor, que idéia mais infeliz foi a minha mostrá-lo...: mal sabia eu que tão logo uma estrela desponte no firmamento, sem querer, a pobre faz sombra a milhões de outras estrelas, que, ofuscadas, se arremessam furiosamente contra ela, munidas de extintores na mão, porque o seu brilho solitário contraria interesses e projetos de ambição.
Senhor, desde que nos abandonaste no Jardim do Éden, condenando-nos ao trabalho, o mundo virou essa luta cruel pela sobrevivência que é hoje, donde uns passam impiedosamente sobre os valores dos outros, na tentativa de sobressair.
Nós, Senhor, pessoas de bem, que não temos voz para nos defender porque por conveniência ninguém nos ouve, estamos terrivelmente sós neste Jardim..., cada qual padecendo dos caprichos da sua tal cadeia alimentar... Por isso, Senhor, é a ti que recorro, pedindo livramento dos que se perderam em seus sonhos e procuram desesperadamente repatriá-los às minhas custas: os pobres de espírito sempre acharão que a vida lhes deve algo, julgando-se, invariavelmente, no direito de querer as coisas só para si: farinha pouca, meu pirão primeiro.
Livrai-me também, Senhor, da fúria dos emergentes, do descaso dos que pobremente se apegam à sua fresca juventude e aos seus patéticos diplomas, dos que sofrem do mal crônico da falta de talento e de habilidades, tentando se impor a força.
Por incrível que pareça, Senhor, arbitrariamente, por mais que já tenham me prejudicado, esses, são os que realmente mais me ajudam a crescer, porque é para eles que eu sabiamente rezo todas as noites antes de dormir, pedindo que Deus os livre da inveja predadora!
Abençoai, Senhor, os que me admiram largamente ao ponto de me invejar, intencionando apagar prematuramente a luz do meu parco sucesso, na tentativa de abalar a minha auto-estima. Abençoai-os a fim de que, como eu, eles também consigam realizar-se em suas profissões e em seus projetos pessoais de felicidade, detendo-se neles com tamanho afinco, a ponto de, esclerosados de felicidade, esquecerem-se completamente do meu nome.
Senhor, tu que conheces o meu coração profundamente, bem o sabes que pouco sei e que pouco tenho. E que mau não sou. Por isso, eu te rogo que o pouco que possuo seja colocado em constante vigília e oração a favor, inclusive, daqueles que desejam o meu fracasso, a derrocada das minhas idéias e da minha cabeça gasta ( mas cheia de vontade juvenil de mudar o mundo); daqueles que invejam a paz da minha vida pobre, o achonchego da minha família pequena, mas, plena de amor..., a fim de que, como eu, eles também, como legítimos filhos de Deus, igualmente recebam graças.
Para que enfim, distraída de tantas perseguições, eu possa finalmente viver a minha vida e as minhas abstrações em paz, e usufruir sem mágoas daquilo que a mim por pequeno mérito tentas me conceder...
Louvado sejas. Que assim seja.

VERA FORNACIARI

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O germinar das palavras

DEDICATÓRIA

Dedico este texto a todos os que têm vontade de escrever, mas acham que não sabem fazê-lo. Sabem sim. É só soltar a mente, devagarinho, começar a ouvir o que o coração tem a dizer e não reprimir as idéias com pensamentos negativos ou se auto-censurar: a princípio, todas as idéias são boas, e devem ser ouvidas, consultadas pelo seu bom senso, e, anotadas.
No seletivo processo de criação, umas idéias florescem, outras, não. Tudo depende da confiança que depositamos nelas, e do grau de importância que atribuímos a elas dentro do cenário em que queremos inseri-las. Sem confiança, as palavras não vingam... perdendo a mágica de comunicar.
Porém, para poder escrever um texto razoavelmente bom, além de a princípio não desprezar nenhuma idéia que lhe venha à cabeça, é preciso deixar a preguiça de lado, pois, com certeza, você terá de refazê-lo muitas vezes, até que ele fique perfeito, aos seus olhos. Estando pronto, mostre-o a alguém que entende mais do assunto. Esse alguém, se tiver o mínimo de profissionalismo, com certeza, irá lhe apontar as diretrizes a ser seguidas e fazer observações que podem ser positivas ou negativas (a crítica faz parte). Só assim, com esse empenho todo, o seu texto terá chance de trazer-lhe orgulho e de correr mundo.
Escrever demanda coragem em todos os sentidos. Vamos tentar?

O GERMINAR DAS PALAVRAS

Antes de nascer no papel, antes mesmo de nascer na mente, um texto nasce primeiro sempre no coração. É lá, nas profundezas do coração, que, tímido, ele nasce sequeiro. Porque, se o coração não pedir, o cérebro não irá obedecer-lhe. E, abortadas, as palavras murcharão.
Desde que se firmou como fiapo de vida, ao não ser repudiado, o texto começa a ser regado, aguado, como as margaridas brancas do jardim... Devotando-lhe confiança, ainda que fragmentado, alimentado - o texto começa a emergir em forma de palavras, de idéias soltas, e passa a ser trazido maneirinho... maneirinho das nossas profundezas para a superfície rasa da mente, como se fosse ele folhas levinhas de angico, que, frágeis, nas divagações, facilmente se desagregam com o vento.
Aceito, o texto lapidado em forma de idéias volúveis, prepara-se para germinar, depois de hibernar na mente. Porque, quando o ambiente é propício, tudo ao seu redor conspira a favor de uma vida em gestação. E então, oxigenadas, as palavras começam a ganhar forma. E numa bela manhã de sol, finalmente, o texto nasce.
Começa, a partir daí, uma grande batalha pela sobrevivência das palavras, parecida com aquela que acontece com a corrida dos espermatozóides: as idéias borbulham, arranjam-se e desarranjam-se expressões, períodos, frases, sinônimos, numa luta constante, donde, excêntricas, todas as palavras e todas as idéias querem sobreviver, prevalecendo umas sobre as outras, embora nos obriguemos sempre a ferir o orgulho da grande maioria delas. Porque, um bom texto, para poder firmar-se em sua categoria, precisa ser, no mínimo, coerente. Logo, tal como na lei da fecundação por vias normais, via de regra, só uma idéia vence como estrela guia: a principal. O resto vira coadjuvante ou fica guardado no baú para outra oportunidade
Um bom texto costuma ser muito seletivo e muito ordeiro! E obedecendo a toda essa seleção natural, então..., numa bela manhã, o texto brota.
Aberto o artista à criação, as idéias vêm em relances, e vêm em repentes, em golinhos de lampejos estabelecidos pela memória e pela inspiração, como se fossem luminosos relâmpagos, reflexos entre o claro e o escuro, entre o consciente e o inconsciente... E, depois de muita dedicação, quando menos se espera, numa bela manhã de sol, o texto brota, tomando conta do papel e de você, como se fosse um filho!
O texto, antes mero embrião, agora cresce, toma forma e ganha vida própria, depois de ser lido, relido, remexido e alterado dezenas de vezes. O texto anda, corre, vibra, mexendo com todo o sistema nervoso do seu criador que, apaixonado por ele, fica em perene estado de alerta, porque tem consciência de que o amor o põe cego. Impossibilitado de enxergar os próprios defeitos do seu discurso interior, prudente, o autor cai na tentação de mostrá-lo a alguém, obrigatoriamente, com maior rigor crítico. ...E, se esse alguém também se apaixonar pelo seu amontoado de escritos, imediatamente, o combinado de palavras sai das cercanias do escritório, passa pelo jarro de cristal da sala, ganha a rua e passa a povoar as idéias de outrem. Andejo, o bom texto “fica falado,” empoeira-se de tanto bater perna, corre mundo passando de boca em boca. Ele perturba, arrepia, aguça os sentidos provocando frenesi... O bom texto ganha status de gente, e até de personalidade, e tem o poder de provocar as mais diversas reações. Longe do efêmero, o bom texto não cai de moda e consegue transpor as barreiras do tempo, eternizando-se na mente de quem o lê.
Pessoas queridas: salvo o brilho da leitura pessoal feita pelo olhar de cada um conforme a sua visão de mundo, porque visão é dom de Deus, e nem tudo na mente é agricultável de entendimento e de explicação lógica -, é o tamanho da nossa persistência e do apego às nossas idéias que determinará que tipo de texto será o nosso, que tipo de escritor seremos nós. Cultura é importante. Diploma acadêmico, necessário. Talento é imprescindível. Porém, sem empenho, os três quesitos acima perdem o devido valor. Porque um bom texto se faz principalmente com dedicação. E dedicação inclui desde refazê-lo inúmeras vezes a ler muito. Ao estar brincando com as palavras, quando você ponderar que o seu texto já está bom, refaça-o mais umas cem vezes... e quando você julgar que já leu muito, leia mais, muito mais. Mais ainda. Devore montanhas de livros como se eles fossem apetitosos pudins de leite condensado...!
Seja movidos pela necessidade, ou pela própria vontade de escrever, atentemo-nos sempre aos princípios básicos. Mas não sejamos escravos das regras a ponto de deixar que elas influam na qualidade criativa do nosso trabalho, agindo como agentes podadores: mergulhadas em verborragias, palavras boas podem virar um insuportável pântano catinguento. E, diferentemente a isto, longe de excessos, às vezes, um texto gigante pode ser formado apenas de uma só palavra. ...No entanto, há textos verborrágicos maravilhosos, e textos sintéticos que tudo dizem, e textos politicamente corretos do ponto de vista da coesão, da gramática e da ortografia que são uma verdadeira droga! E vice e versa! Embora essa questão de fazer ou não algo que se propõe a executar com perfeição esteja muito relacionada com a questão dos dons atribuídos a cada um – considero encorajador e verdadeiro afirmar que todos nós podemos escrever excelentes textos. O importante é dar o melhor de si. Afinal, quem foi mesmo o alienado que disse que somos obrigados a ser bons em tudo?
Quando se trata de sentir a hora certa de continuar exaustivamente a remexer no que escrevo, no meu caso, na minha tosca oficina particular, é quando, entusiasmada, já sinto vontade de colocar o meu nome embaixo dele, julgando-o já inteiramente concebido.
É nessa exata hora, em que já prevalece a minha percepção sobre o todo, mas que, se encontram ainda muitos pontos mal iluminados sobre o que escrevi, que procuro acender a luz vermelha do alerta sobre os pequenos detalhes. Atentar-se ao bom senso sem cair nas armadilhas da lassidão do ócio é uma forma de não pecar com o perigoso comodismo. Julgando o meu texto acabado, é chegado o momento de percorrer exaustivamente todo o trajeto da sua formação, verificando com cuidado se a minha inspiração e a minha transpiração realmente já se esgotaram. Não raras vezes, depois de assinar o meu nome precipitadamente num trabalho, eu ainda o remexo dúzias e dúzias de vezes.
...Se, por acaso, fossem indagados sobre o assunto em questão, que trata o tema central deste texto - estratégicos e interesseiros-, o Marketing e a Publicidade, respectivamente, nos passariam o sermão de que devemos ser perfeccionistas ao extremo quando se trata de confeccionar textos. Afinal, devemos fazer tudo para agradar em primeiro, aquele que será, quem sabe, o nosso futuro “cliente” potencial. Mas como sou da pá virada, eu diria apenas que devemos procurar fazer tudo perfeito para encantar primeiramente a nós mesmos, pois um texto que não consegue encantar a si próprio, não é digno de encantar a mais ninguém!

VERA FORNACIARI

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

O SENADO E O CORAÇÃO DE BOI

O SENADO E O CORAÇÃO DE BOI

Todos os anos, quando as vitrines ficam muito enfeitadas, lembrando-me que já é Natal, sou tomada por uma súbita melancolia. Não é porque as lojas ficam cheias de mercadorias e de gente, porque elas tocam aquelas sentimentais músicas natalinas, fazendo-me lembrar da minha família que mora longe.
Fico triste porque, nessa época, sempre me recordo daquela senhora, que, às vésperas do Natal, não tendo o que pôr à mesa, entrou naquele açougue pedindo por um coração de boi (no interior, onde muitos estabelecimentos ainda compram o tradicional “boi em pé, no olho,” longe das invenções exóticas dos grandes “chefs,” o coração de boi é uma opção desprezível, tanto, que, às vezes, não conseguindo livrar-se dele, os açougueiros usam-no para fazer lingüiça, por ser considerado duro e fibroso).
Aquela pobre senhora poderia ter pedido qualquer parte do boi, ah, mas um coração de boi, não! Um coração, com sua conhecida múltipla função, sempre comove... machucando a consciência da gente que é mãe, que conhece muito bem os desejos e sonhos dos nossos filhos voluntariosos!
O coração lembra aquela parte sensível do nosso corpo, tanto no sentido vital da vida, que é a da função de bombear o nosso sangue, quanto a de simbolizar subjetivamente os nossos sentimentos mais profundos. Por isso, foi doloroso imaginar a figura humilde, em casa pobre, partindo o coração e colocando-o para cozinhar na panela de pressão para amolecer, com todos os condimentos.
Sentimental, diante dos fatos novos que surgem no dia-a-dia, volta e meia, sou acometida por lembranças que me remetem à crueza do episódio do coração de boi. Esses dias mesmo, embora ainda não estejamos em plena véspera festiva, senti-me remexida com o artigo realista do Ruy Castro, cronista do Jornal Folha de São Paulo, no qual ele fez uma analogia dos homens encapuzados, que roubaram uma transportadora de valores, com a performance dos senadores que, protegidos pela lei, puderam votar igualmente escondidos atrás do toco, no novelístico episódio Renan Calheiros, livrando, dessa maneira, as suas próprias caras, para que os eleitores não pudessem dar nome aos bois, ao absolvê-lo. E, para finalizar o artigo com chave de ouro, Ruy comparou ainda o montante da “bolada” que envolveu ambas as “operações.”
É por demonstrações deprimentes como essas, que os miseráveis do nosso país continuam a passar fome, recorrendo, em datas extremas, ao modesto coração de boi, quando podem pagá-lo...
Mas, Senhores, eu, com o meu faro aguçado de mulher interiorana, trago-lhes notícias fresquinhas do sertão: Suas Excelências se enganaram. Aos poucos, com a democratização da mídia, o povo está aprendendo muito bem a enxergar quem é que está ficando com o dinheiro do seu tão sonhado peru natalino. Aliás, esta não é a primeira vez que o povo conhecera a face da violência imposta contra si mesmo. Para ficar apenas em um exemplo, de quatro em quatro anos, pelo menos, ele se sente seguramente violentado pela afronta à sua liberdade, representada pela coação do voto obrigatório que tem apenas um único propósito: levar a ignorância da pobreza às urnas, para que os abutres sejam favorecidos por ela. Nem que para isso seja necessário usar a truculência, valendo-se de fedorentos caminhões de bois para transportá-los naquela hora decisiva da onça beber água...
Fico pensando cá com meus botões: será que essa gente que rói e que articula nas sombras não tem medo do amanhã, daquele frio na espinha que dizem dar na hora da morte, momento crucial no qual você sabe que não poderá levar daqui nem a aliança que, às vezes, há anos mantém no dedo...? Oportunidade na qual você repensa toda a sua vida e não sabe o que tem do outro lado esperando por você, e olha para trás de si mesmo e tudo o que vê é um passado de omissão, de favorecimento pessoal e de burlação às leis, quando teve a oportunidade de escrever uma história de vida cheia de orgulho e de admiração, com resultados positivos para a nação que se perpetuariam para além dos horizontes dos seus filhos e netos? A rotina do nosso congresso me responde prontamente que não. A maioria dos nossos parlamentares se acham acima da lei, inclusive da divina.
Não é à toa que, metaforicamente falando, em toda boa piada sobre políticos, o cenário no qual eles se encontram é invariavelmente sempre o mesmo: o inferno.
Pelo jeito, além de pouco se importar com coisas mais profundas, essa gente, que tem o complexo de poder, nunca terá noção ainda do que realmente significa para uma mãe pôr à mesa rodeada de boquinhas famintas na noite do natal, apenas um coração de boi partido em quatro, sobre uma folha de bananeira, porque a maioria dela nunca sofreu. E quem já muito sofreu, pelo jeito, de tudo já se esqueceu, porque agora mudou de lado, e junto com a elite confabula em causa própria, pouco se importando se as crianças comem coração de boi, seios humanos cozidos ou palmas.
...E viva a CPMF!

VERA FORNACIARI

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Amoras, cerejas, morangos, e... sapatos vermelhos

AMORAS, CEREJAS, MORANGOS, E... SAPATOS VERMELHOS...

Sou a poeta do tempo do escuro, das horas escorridas nas talhas, das velas, das sombras deixadas pelo vácuo da luz pouca das lamparinas... Poeta da meia luz, que tudo esconde querendo desbravar-se por trás das finas cortinas, das meias palavras, iguais às contidas nas meias pretas que se fingem transparentes.
Sou solidão de mausoléu com suas escadas longas, com suas tábuas rangentes, com suas pesadas e amplas janelas norte, que dão para lugar nenhum. Um ser de mausoléu, desconhecedora das tantas que há em mim mesma, quando se trata de saber lidar com esta dor...
Sou uma porta entreaberta, uma dúvida, uma inspiração matutina que só consegue se expor quando o cachorro ladra no quintal com medo do clarão da lua. Daquelas, que, embora espontânea - reservada da euforia das palavras expressas com a desenvoltura do malogro do exibicionismo, e que, mesmo sendo amante das palavras, quando realmente precisa expressá-las, esquece-as todas, olvidada. Sou uma poeta sem o juízo da oratória - que os frios advogados se ocupem dos calorosos discursos prontos, dos debates, do artificial explicar do sentido das palavras ao som dos holofotes, não eu! - visto que sou flor trêmula de jardim humilde.
Deixo a razão para os loucos, que tudo sabem. Deixo-as para os lúcidos caçadores de notícias perdigueiros que perseguem os desmentidos, o rastro da verdade farejada que, aos poucos, se empluma, para pulverizá-la com megafone. É para os donos da verdade, e, conseqüentemente, para os excêntricos donos das palavras, que deixo o meu legado discursivo, o poder do meu batom vermelho, a poda, o meu quinhão de confronto, visto que sou contra a desordem das palavras, das acareações, dos ânimos exaltados, dos alardes, das dissonâncias, das múltiplas versões. Deixemos que as palavras se entendam por si, por meio dos gestos. Porque os gestos falam bem mais do que as palavras. Não grite: sou a poeta da paz contida no silêncio. E um poeta não se explica, se sente.
Sei que, tão logo alguém emerja, gostam prontamente os curiosos de medir até que ponto vai o conhecimento de outrem, o seu potencial acadêmico, o seu brilho artístico, a extensão da sua leitura, o seu poder de lidar com a fala, com a magia das palavras, com os segredos dos verbetes, e com as suas próprias verdades e mentiras. Mas é pesaroso para um poeta explicar-se, visto que ele próprio passa a vida se conhecendo. Deixo a glória da discursiva para os loucos. Não para mim, pobre criança que pouco sei de mim.
Sou a poeta do tempo antigo, do rosa envelhecido, do escuro, da carta perfumada escrita à luz de velas, da pétala de flor esquecida dentro do envelope. Sou a poeta do relento, da trempe, da chama que crepita na noite, da premonição contida no pio da coruja na cumeeira. Sou a poeta mensageira do romance, dos desejos recônditos, dos sonhos etéreos, da taça de vinho que, derramada, vasa. Mas sou também solidão e angústia quando o amor não está... E é por isso que, volta e meia, uso vestidos vermelhos... para encantar as estrelas.
Tudo tão suscetível, um pouco adiante do córrego do meio, próximo ao rio das almas onde moram os sentimentos mais profundos que entraram para nunca mais sair... Juntos, atravessamos o rio para nunca mais voltar: o que sempre esteve em mim, emergiu quando tudo ainda estava tão desfeito e, lamentavelmente, dissipou-se na sofreguidão da neve fria, devido à minha inaptidão à dor.
O bonde passou. A vida passou. As horas que fluem devagar. O áspero das “ruspiosas” urtigas que machucam. Ah, tanta coisa dói em mim! A minha segunda adolescência que floresce, a amarga incerteza do amanhã, o amor sepultado no silêncio, a distância que me separa do mundo, o desagrego, os meus passos paralisados que, incessantemente, querem me levar – a eterna menina que se perdeu no meio da nuvem de poeira sobre o carroção de bois.
Como invejo o tom das melancias, o sangue circunstancial das frutas que verte sem labor dos cítricos morangos, do vermelho tinto das cerejas, do borrado tingido das amoras! São todas nuances de um vermelho que fere as nossas bocas de mentira, enchendo-nos de fantasias. Ah, as fantasias, quebrando os paradigmas da acidez do amor com a doçura açucarada da ternura, trazendo-nos de volta a ilusão tragada.
...E é por isso que, volta e meia no “pomar...,” visto sapatos vermelhos..., para encantar passarinhos que moram dentro de mim mesma. Femininos..., inofensivos sapatos vermelhos..., vertidos das amoras..., dos morangos, das cerejas, que enchem a minha boca cítrica de beijos como se fossem uvas doces.
Sou um poeta nu, visto que um poeta indefeso não consegue mentir ao seu próprio coração. Um poeta sem discurso, sem retórica, sem platéia, sem oratória, sem berço – um poeta no prejuízo do silêncio delator, que vive invariavelmente do pensar das coisas que rumina, sendo que aqui, aqui dentro desta casa velha e triste que mora dentro de mim, somos sempre apenas eu e a insondável solidão dos mausoléus.

VERA FORNACIARI

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

UNIÃO ATACADO

O texto abaixo é o texto original que fiz para o União Atacado. Porém sofreu algumas modificações. O mesmo aconteceu com o roteiro: tudo conforme o gosto do
Cliente.






ATACADO UNIÃO

Toda empresa nasce de um sonho. E nem sempre este sonho é feito apenas de riqueza. Ao fundarmos uma empresa que segue a filosofia da simplicidade dos donos, em nossos ideais, também vai o espírito patriota de mudar a vida da nossa gente, com salários dignos, profissionalismo e amizade sincera.
Um belo sonho não tem preço... E foi movido por ele que encaramos e vencemos o desafio de percorrer os horizontes mais desabitados do Brasil, como o Estado do Piauí, o interior do Mato-Grosso e de Goiás, levando aos seus cantos mais distantes, serviços – não na simples condição de entregadores, mas, de provedores de esperanças.
É lá no meio daquela gente simples que mora no meio do nada, que está o coração da nossa empresa. É para lá que se dirigem os nossos esforços, os nossos ideais de cidadania, nunca nos importando se são pequenos ou grandes clientes. Mas sempre nos lembrando primeiro que são seres que muito precisam da qualidade dos nossos serviços que sempre chegam – faça chuva ou faça sol.
Mas, façamos justiça: para que o Brasil todo seja coberto pelos nossos serviços, tem muita gente trabalhando firme num trabalho sério e comprometido. E é graças à dedicação dessa gente que nós conseguimos ser o que somos. São mais de 1500 pessoas envolvidas no processo, que vai desde a venda da mercadoria e sua recepção - até a entrega no seu destino - num trabalho que envolve 800 representantes comerciais altamente capacitados para atender a mais de 50.000 clientes, e negociar os nossos 4000 produtos.
Aqui no União, lugar onde servir já virou um desafio pessoal – nós já entendemos que todos somos muito importantes para o sucesso da empresa, e para o progresso da nossa gente! Por isso, os nossos 230 caminhões não hesitam em rodar mais de um milhão de quilômetros quadrados todo mês, para atender aos 17 estados onde atua.
É por tudo isto que nós não somos apenas mais uma. Nós não somos apenas uma simples força de vendas que tira pedido e entrega. Nós somos, sim, uma empresa que trabalha com a força da alma - aquela, que ganhou a credibilidade e o respeito do Brasil inteiro e que virou o orgulho do cerrado e dos seus funcionários.
Nós do união somos uma grande força. Não a força bruta que oprime, sufoca e esmaga. Mas, a força da união que transforma, enlaça, conquista e vence...!


União atacado: Desbravando horizontes!

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Folia de Reis 2

Folia de Reis 1

SOBRE FOLIA DE REIS

SOBRE FOLIA DE REIS:

Para efetuar este trabalho ao qual me propus para a Rede integração de televisão, afiliada da Rede Globo em Uberlândia, Estado de Minas Gerais, andei lendo várias teses de mestrado sobre o tema, a fim de ficar a par de um assunto tão relevante quanto o é a Folia de Reis. E percebi que, dentre outras, havia uma constante queixa dos autores sobre a fugacidade da sociedade atual, no tocante à interferência no ritmo das músicas de Reis, que, volta e meia, os modifica dando às velhas canções uma roupagem mais atual com a constante mudança dos seus ritmos, o que põe em risco a originalidade dos ritos da festa. Em uma das passagens, li a seguinte observação: “Apenas as letras permanecem. A toada mudou.”
O profundo desapego da sociedade moderna preocupa. Com a existência tão banalizada, ela vê tudo com um olhar efêmero, passageiro.
Ora, se, por um lado, ritmos mais dinâmicos trazem a Folia de Reis para um patamar mais atual, no qual ela possa ser vivenciada aos moldes e aos gostos de tempos mais contemporâneos –, por outro, eles abalam a originalidade da tradição, visto que as constantes modificações descaracterizam a festa, a ponto dos mais jovens cumprirem a trajetória de suas vidas de uma ponta a outra, sem ao menos, no entanto, ter conhecido a verdadeira fundamentação da festa religiosa, as cantorias em seus ritmos originais, seja na caminhada com a bandeira à frente, seja em torno do presépio na louvação. Daí, insistirmos tanto em nossos vídeos sobre a preservação das músicas em seus ritmos originais. Porque nem tudo nesta vida nasceu para ser progredido, modificado.
Outro ponto muito ressaltado por todas as biografias lidas é sobre os preocupantes números advindos do êxodo rural. A saída do sertanejo do campo, que migrou para a cidade, representa uma grande perda para a tradição da Folia de Reis, que já duras séculos por aqui. Com essa forte tendência, nota-se que o campo esvaziado ficou desarticulado, e as nossas raízes estão se perdendo, porque os foliões que migraram para a cidade em busca de melhores condições de vida levaram as tradições consigo. E os poucos que ficaram, ou se fecharam no isolamento pela distância entre uma casa e outra, ou pela violência que também já chegou ao campo, ou ainda porque, simplesmente, o seu tempo já venceu aqui na terra.
Eu, por exemplo, que vivi a minha infância no campo, na década de 1960, lembro-me como se fosse hoje, quanta gente se avizinhava do nosso sítio... os carreadores eram animados, havia muita gente nas casas, as famílias eram grandes e ouviam rádio. Com a chegada da televisão, as pessoas se enclausuraram em seus lares, paralisadas frente à tela; os vizinhos pararam de se visitar; quando não, agendavam novenas e missas para antes ou depois das novelas. Isso é lastimável do ponto de vista social e familiar, pois esta falta de socialização elimina o forte sentimento de vizinhança, no qual um vivia para o outro, os fortes laços de família que se engendram em torno da união de parentesco e da cordialidade comum a todos. E foi por tudo isto e pensando nisto tudo, que a Rede Integração fez questão de investir em um dos poucos eventos rurais que ainda existem na região de Uberlândia no tocante à Folia de Reis rural, para montar estes trabalhos que vocês verão a seguir. Ao longo destes dez anos maravilhosos vividos em terras mineiras, percorri muitas festas de Reis urbanas, que, embora lindas, deixavam dentro de mim um vazio, visto que eu sabia que elas já vinham desprovidas de originalidade, já que é sabido de longa data por todos que, no começo dos tempos, a Festa de Folia de Reis acontecia no meio do poeirão da roça... embaladas pelo cheiro das estrebarias e do café coado na hora.
Curiosa como sou das coisas da terra, fiz questão de ir ver pessoalmente como a festa ocorria. Fiquei maravilhada com a Folia de Reis na Mata dos Dias. Ela me lembrou aqueles casamentos antigos que movimentavam famílias e mais famílias quando eu era criança. Lá puder ver a fé e o desejo vivo dessa gente mística, que saiu de casa em casa o ano todo pedindo donativos a fim de manter a tradição da festa, doando o seu trabalho, movendo dezenas de pessoas, que montaram barracas, presépios naturais e muita comidaria, que gerou insondável comilança.
Na véspera do dia de reis, destampei por capricho e por curiosidade, uma por uma, dúzias de latas de vinte litros de doce de leite de vários tipos, de mamão, de goiaba, de banana, queijos... mesas compridas das tradicionais almôndegas que não podem faltar nessa festa rural... e outras tantas delícias da culinária mineira, que só de pensar enchem a minha boca d’água. Tudo isto vivido e presenciado em nome da tamanha fé que essa gente tem nos Santos Reis.

Hoje, como sabemos, o tempo da jornada que lembra as andanças que os santos reis fizeram, em sua viagem a Belém, já não está mais restrito à noite do Natal até o dia dos Santos Reis, ela acontece o ano todo, com exceção do período da quaresma. E os textos que fiz são sempre no sentido de reacender a chama da Folia de Reis Rural, com passagens como esta: “ com a bandeira sempre à frente, os foliões partem para a peregrinação das casas, alegrando os devotos da roça.” Quando, na realidade, sabemos que, em sua grande maioria, as festas hoje acontecem nas superficiais vias pavimentadas com hora marcada e com conversas que atrapalham a cantoria. E me marcou profundamente uma passagem que li e que, por isso, merece ser transcrita aqui para que sintamos a nossa responsabilidade perante as transformações do mundo: “o fato é que as grandes caminhadas de dias e noites pelas casas dos devotos se perderam. Hoje, elas acontecem na cidade, e com hora marcada.”
Outra coisa lamentável que não pude deixar de observar nos depoimentos é que, antigamente, quando a bandeira dos Santos Reis chegava a uma casa, na roça, a atitude do anfitrião era a de como se o próprio Jesus vivo no presépio estivesse ali chegado. Os devotos se emocionavam e choravam de alegria. Hoje, com o progresso, com a ida da Folia de Reis para a cidade, e, concomitantemente a isto, com a proliferação dos meios de comunicação, é muito comum a folia estar na sala e os outros membros da família estarem assistindo à televisão ou ouvindo som no quarto. Ato este considerado pelos mais velhos como muito desrespeitoso para com o presépio e com os Santos Reis. Detalhe que também não escapou à nossa abordagem televisiva, pois fizemos questão de fazer um vídeo e um texto especialmente levando em conta essa problemática para que as pessoas se conscientizem da importância da mudança de atitude.
Mostrando uma Folia de Reis tradicional da roça, procuramos, acima de tudo, despertar o saudosismo; despertar velhas lembranças, para que os fazendeiros rurais e urbanos sintam-se persuadidos a formar novos ternos de Folia de Reis rural, a fim de que levemos, para bem além das próximas gerações, essa belíssima tradição que, graças a Deus e ao seu abençoado povo mineiro, é muito forte no Estado de Minas Gerais.
...E todo o trabalho do departamento de programação da Rede integração, foi no sentido de resgatar a verdadeira folia de reis rural, tanto no áudio, quanto no vídeo! E o público tem nos mostrado com ações práticas do dia- a -dia, que todo o nosso esforço valeu a pena, que todo o nosso trabalho não foi em vão.

VERA FORNACIARI

Uberlândia, agosto de 2007.

O REI ÀS VEZES TAMBÉM PERDE A MAJESTADE

O REI ÀS VEZES TAMBÉM PERDE A MAJESTADE

Houve um tempo, já faz muito tempo... em que eu sempre entrava no Banco do Brasil acompanhada pelo meu pai, lá no Estado do Paraná, conduzida pelas suas grosseiras, mas ternas mãos de lavrador. Ele ia lá fazer “papagaios,” e eu ficava zanzando com os olhos, maravilhada, com aquela gente bem calçada e bem vestida que trabalhava naquele lugar lustrinho.
As minhas lembranças são hierarquizadas. Há, para mim, que primeiro vieram os homens... invariavelmente, engomados em suas camisas brancas de mangas longas e abotoaduras; depois, as mulheres produzidas, que sorriam sempre e usavam jóias: eram pedras verdes... e azuis... sobre o colo..., e brilhantes graúdos nos dedos..., e contas enormes de pérolas na pontinha das orelhas....
Eu sempre senti fascínio pelas pedras - daí a minha profunda percepção da presença delas onde quer que estejam, desde a infância. E foi por isso que ficaram tão cravadas nas minhas lembranças... como estrelas...
O tempo passou, e, como se sabe, o banco do Brasil já não tem mais o mesmo glamour daquele tempo..., trabalhar lá já não é mais garantia do mesmo status que até mesmo os que ocupavam os cargos mais subalternos tinham. E casar-se com um dos funcionários do banco já não é mais nem sombra de garantia de ter-se fisgado o melhor partido da cidade. Embora seja justo lembrar que o salário pago pela instituição ainda é seguramente superior ao salário que a maioria dos brasileiros ganha.
Hoje, as mulheres de diferentes estados que eu conheço que são funcionárias do banco (e eu conheço muitas, inclusive da Caixa Econômica) já não andam mais tão bem vestidas assim, parece que perderam um pouco daquela magia do olhar cintilante da minha infância...
Seguindo a uma tendência da globalização, houve uma padronização de gostos e de estilos; as bancárias deixaram de ser referência de elegância. Para a sorte de seus maridos, já não dormem mais de “bobis”; o penteado caiu de moda por bem do tempo escasso, e raramente usam jóias exuberantes, apelando, quase sempre, para o efeito artificial das vistosas bijuterias baratas que as imitam... Afinal, por mais que, num rompante, não se queira admitir, o poder aquisitivo da categoria também caiu; além disso, a mulher dedicada hoje tem bem menos tempo para si, o que a fez perder um pouco daquela... digamos... classe, daquele seu ar congênito de grãn-fina, no qual toda menina-moça vaidosa do meu tempo de mocinha se espelhava.
E hoje, tempo belicoso das razões maiores... no qual felizmente a elegância deixou de ser referência na justaposição para dar lugar à inteligência, há outro agravante que soa como uma ameaça para a vaidade e para a própria auto estima feminina: embora ganhe o seu próprio dinheiro, a mulher tem a responsabilidade de dividi-lo com as despesas da casa de igual para igual com o companheiro. E, numa cena não menos explícita de aplicação de poder, muitas que trabalham fora, fugindo da submissão, arbitrariamente, prestam contas do que ganham, centavo por centavo, ao marido, ressuscitando ridiculamente a palavra “mesada” advinda do seu próprio salário confiscado. Logo, trabalhar fora, para muitas mulheres, o que antigamente era visto como “luxo,” passou a ser quase que uma imposição, passando-lhes ao largo as palavras prazer e realização pessoal para virar pura questão de sobrevivência. ...E não raras vezes, no final do mês, sobra para ela menos do que sobrava da mesada suada do marido, quando na sorte de tê-lo justo.
Ainda há de se levar em conta que, sem tachá-la de se tratar de um ser anômalo.... anti-social... acomodado, ou de uma pobre perdedora..., nem toda mulher gosta de trabalhar fora... e ninguém nesta vida pode provar que a sensação de felicidade tão perseguida pelos terráqueos passe, obrigatoriamente, para todas pelo crivo da atividade extra-lar! ...Embora exista toda uma cultura... todo um discurso... errôneo e interesseiro atrás disso, no sentido de enaltecer as mulheres bem sucedidas em suas profissões e de simplesmente ignorar a mulher “do lar” que não aja assim, atribuindo-lhe, de forma velada, menos valor pelo fato de cuidar apenas da casa e dos filhos, como se isto fosse pouco, como se isso se tratasse de uma questão menor... e não merecesse o devido respeito por um século de dedicação. ...Como se o amor e a entrega jurados no casamento fizessem parte de algo ultrapassado. Como se tudo fizesse parte de um grande negócio. Inclusive o casamento, com suas rendas, seus espinhos e as agruras da maternidade.
Ora, colocando de lado, por um momento, todo aquele discurso idealista da liberalização da mulher, podemos afirmar veementemente que todos nós ocidentais, sem exceção, trabalhamos fora, matamo-nos para ganhar dinheiro, privamo-nos da presença dos nossos, enfartamos... se preciso for... por pura demanda do capitalismo que, cada vez mais, quer nos vender mercadorias... Somos induzidos a trabalhar mais para podermos comprar mais coisas. É elementar. É evidente. É ele, o capitalismo, quem nos atiça, quem nos aguça, quem nos faz enveredar enfeitiçados para os lados do caminho do poder. Foi ele próprio quem conspirou contra a mesmice... ensinando-nos a não nos conformarmos com o que temos, a nos espelharmos nos gananciosos que conseguem juntar mais em menos tempo, a deixarmos o que já é usado de lado, e comprar tudo novo, de novo,... sempre... sempre..., e construir pequenos ou grandes impérios para deixarmos para os nossos filhos... que continuarão com as nossas loucuras.
...E, para depois de tudo... estufados de dinheiro e de amor próprio... e com os sonhos enrugados feito maracujás maduros..., gastarmos fortunas no terapeuta para tentar compreender o tédio...; ...para tentarmos resolver os problemas criados com os nossos filhos...! E com os casamentos mal resolvidos. E com os nossos velhinhos solitários... E com a nossa própria solidão interior.
- Meninas, questionemo-nos: Deus, para que mais de sessenta vestidos no guarda-roupa, se vestimos apenas um de cada vez?????????
Quanto ao poderio masculino sobre o salário da mulher, estaria por acaso ele apenas se deslocando para outro foco? Estaria o machismo e a submissão, que andaram por longo tempo caminhando lado a lado, agora se redimensionado..., por acaso apenas mudando de nome e de foco, como uma metáfora dos tempos modernos? Espero que não. Não sou dada a aventar este assunto sobre “fiscalizar” e “controlar” a apropriação do salário feminino com profundidade. Mas, embora contra a minha vontade, é impossível ignorar a acomodação masculina sobre a renda da mulher que acontece hoje, principalmente nas classes mais baixas, local no qual ela acontece mais abertamente. O homem, confuso e inconformado com o sofrido golpe de falta de autoridade sobre a mulher devido a sua maior independência financeira, pressionado pela luz dos novos tempos, que, no início, se viu coagido a “deixá-la” trabalhar apenas para poder comprar as suas “coisinhas...” hoje, redimensionou todo o seu conceito de renda familiar, embora, sempre que possa, delega-lhe poder a conta-gotas...
Com a chegada dos filhos..., deixa o orgulho de lado e decreta que o dinheiro dela seja destinado a questões “ínfimas,” a seu ver, atribuindo-lhe como missão exclusiva a responsabilidade de dar o de vestir o de calçar e o de estudar aos filhos. E como nessa questão dois não viram um só, como pede o sacramento, se ela não o fizer, as crianças ficam sem..., já que ele considera supérfluas as necessidades que advêm dos filhos, diante da importância vital da comida e do peso do aluguel.
Assisto, diariamente, a esse filme, ouvindo as queixas das diversas funcionárias que passam pela minha casa. Mas não é intrigante como um gênero..., que até outro dia era mantido orgulhosamente pelo macho... (e ele fazia muita questão disto) e tanto se debateu para dizer-se livre, prestar contas a ele sobre tudo o que ganha com mudez, principalmente as mais “desprovidas de poder?” E não é igualmente intrigante ele apoderar-se do salário dela agora, ditando regras, redimensionando o seu uso, quando minimiza a sua importância? Não. Este procedimento é uma constante... é quase óbvio nas classes menos favorecidas, nas quais é, geralmente, a truculência que impera, como resultado da falta de diálogo, do respeito e, principalmente, da instrução.
Em pleno século XXI, isto de conduzir o relacionamento com mãos de ferro para fingir que manda na relação, lembra-me muito ainda a dominação masculina do século passado, quando ter sexo toda noite com o marido, sem ser questionada se queria ou não, soava ainda como uma forte “obrigação...,” ...Lembra-me quando o meu pai queria mandar até no destino da aposentadoria da minha mãe. ...Isto me lembra mais..., lembra-me quando aquelas que já eram mães na época da minha infância, afirmavam de cabeça baixa numa circunstância adversa: “Eu conheço o meu lugar.”
Estabeleçamos algo coerente: a mulher que não gosta de ser uma Maria valentona..., aquela, daquele tipo meigo que não quer impor-se a fórceps..., mas que, por um lado, deseja realmente a sua emancipação e, por outro, não possui um companheiro sensato que entenda que não se trata de uma competição... muito menos de uma conspiração..., que tudo o que ela quer é apenas ser amada, respeitada, compreendida e inclusive dividir o que ganha com sabedoria, olhando os dois lados para a mesma direção, ah, essa mulher precisa entender ainda uma última coisa. Enquanto ela não aceitar que estudar pra valer faz parte para se conseguir ter voz ativa na sociedade e o devido respeito profissional com um salário justo, não terá voz para arbitrar sobre a sua vida e, muitas vezes, nem para ser a verdadeira dona do ser corpo, como bem o disse a doutora Márcia Tiburi, filósofa da Faap, com relação a esta minha última colocação, discorrendo sobre a delicada questão do aborto um dia desses num jornal de circulação nacional: “Elas, em silêncio, agem como se não fossem donas e senhoras de seus corpos”. E, de fato, não o são enquanto continuam na velha economia da sedução, da prostituição, da maternidade, da vida doméstica, do voyeurismo do qual são a mercadoria.” E prosseguiu: “Que as decisões sobre os seus próprios corpos não pertençam às mulheres é uma contradição que poucas podem avaliar. Não ter voz significa não pertencer à política. “Na medida em que não participam nem percebem o quanto estão alienadas da conversa, as mulheres perpetuam a injustiça que as trouxe até aqui.”
Porque, concluindo o meu raciocínio, como já foi dito antes por Foucault, as relações são relações de poder, inclusive no casamento. Manda mais quem tem mais poder... E nem sempre o que tem mais bom senso... Logo...
Mas, prosseguindo em minhas abstrações, o foco da vida da mulher também mudou. Principalmente o das mulheres mais privilegiadas, que ganham mais, que não têm jornada dupla de trabalho... que são mais independentes e dão menos satisfações sobre a sua vida. Mas, se, por um lado, atualmente, essa mulher moderna tem outras prioridades e, diga-se de passagem, tem, a seu ver, coisas bem mais “nobres” para se preocupar, por outro, existe a questão desta histeria... Desta auto-exaltação... Desta tendência contemporânea de se levar tudo ao extremo, dum ponto ao outro. Pena. Manter uma certa dose de feminilidade, de controle afetuoso sobre o lar, de encanto sobre o casamento, e sobretudo o que diz respeito a ele, não desabona a inteligência e o valor de ninguém. Amar e dedicar-se aos seus, na medida certa, não diminui o valor da mulher. Pelo contrário, isto vem a enobrecê-la ainda mais! Lembremo-nos sempre de que, antes de sermos profissionais, somos mães. Somos esposas: não dá para simplesmente radicalizar, levar o feminismo a ferro e fogo, abandonar tudo em nome das nossas profissões. Deus nos fez insubstituíveis. De propósito, porque ele bem sabia que somos luz. E foi por isso que nos escolheu para parir e nos concedeu o olhar diferenciado da mãe.
Quero crer que, no tempo certo do amadurecimento, a mulher há de reencontrar na justa medida o equilíbrio do seu espaço entre a família e o trabalho como o merece, pois muito confio em sua capacidade de gerir as suas próprias contradições, já que a sua onipresença não é possível: somos limitadas. Somos humanas.
Mas, se, por um lado, essa mulher consciente do seu valor profissional que superou o medo de arriscar-se, perdeu a coroa de “rainha do lar” para virar guerreira, por outro, progrediu no sentido de não aceitar mais a infidelidade do outro como um mal sem remédio; as mais ousadas já não temem mais ficar no caritó...: casar-se já não é mais a razão maior de suas vidas. As mulheres felizes já não rimam mais amor com dor, e têm filhos muito bem resolvidos.
Soados os tambores de guerra da desmedida luta do dia-a-dia, a mulher, embora ainda tão explorada no mercado de trabalho e nas relações pessoais, já não se verga diante do caos, porque finalmente enxergou que é feita do mesmo material dos homens. E sendo de carne e osso, logo, errante e suscetível como todos os seres desta terra, está aprendendo a reencontrar a sua paz após gerações e gerações, remoendo-se em plena guerra interior.
Embora pela lógica seja de se supor que os vaporosos vestidos femininos em nada depõem contra a determinação da mulher até que se prove o contrário, práticas, as mulheres hoje enveredaram para os lados das calças compridas...
...Dizem-nas pressentidas... grasnadeiras – um mar de inquietude... Mas, desprestigiadas no passado, e muitas vezes vítimas da leviandade da língua masculina, que historicamente muito as subjugou como era de costume para os padrões da época, já que até a Bíblia é machista – as mulheres superaram certos maldosos sorrisinhos marotos... aqueles, dados bem no cantinho da boca... pelos que torciam contra o seu sucesso, e partiram para a superação de si mesmas saindo da obscuridade, embora sofrendo, desde os primórdios, as conseqüências da inadequação de um mercado de trabalho machista por excelência – repleto de maneirismos.
As mulheres já não aceitam mais viver no anonimato, se assim não for de sua vontade. Inteligentes, perceptivas, educadas e obcecadas pelo trabalho e pela organização, felizmente, deixaram de estar circunscritas a determinadas áreas, não se contentando em ser apenas um rosto angular a enfeitar escrivaninhas, estudaram e, sobejamente, mesmo sob as condições mais adversas, partiram para assumir altos postos de trabalho. E, quando não, estão lutando para isto, muitas vezes, até dentro de suas próprias casas. Em contrapartida, num gesto de solidariedade e de comprometimento com este novo personagem que está se consolidando na história do mercado de trabalho, atualmente, muitos homens conscientes deixaram a pá carregadeira, o terno e a gravata de lado, e aprenderam com a humildade da mulher a lavar, passar, cozinhar e trocar fraldas de bebês, revezando com elas o trabalho e a ternura nas horas de folga, provando, sem machismos, que as incumbências do lar, não são esferas de privilégio e de responsabilidade exclusivas apenas da ala feminina, tentando conjuntamente preencher um vácuo que ficou no lar..., um vazio que tanto mal tem feito à formação dos nossos filhos e à manutenção das nossas tradições que estão se perdendo...
...Mas, fechando este parêntese sobre o atual papel da mulher na sociedade e voltando as bancárias em si, em plena exaltação verbal, como diria esbaforida em última instância, uma remanescente funcionária pública orgulhosa num embate discursivo a negar que a culpa desta crise de deselegância das bancárias seja atribuída ao dinheiro escasso, diria ela que o vilão dessa ausência de luxo, além de ser a pressa, que aboliu os taillerszinhos bem cortados, que requeriam provas e mais provas na costureira, é a violência que inviabilizou covardemente o uso indiscriminado dos reluzentes em pleno luz do dia, mimos antes escancarados a céu aberto...
...Não dá para manter aquele eterno olhar de criança sobre as coisas... Portanto, devo, por bem do bom senso, ser menos criteriosa com as gerações atuais, e abandonar aquela referência de luxo e de beleza herdados das minhas conterrâneas do passado. Afinal, era o delas um deslumbramento sem cabimento, visto que, apesar de lidarem com empresários, também lidavam com pessoas humildes, como o meu pai, que configuram, ainda hoje, a grande maioria da população brasileira.
Ainda com relação ao cessamento do desfile das vaidades, fechando um antigo círculo de deslumbramento da classe média, cá embaixo, no olho do furação, o povo, com sua visão paroquial de mundo, ressente-se com o elitismo tamanho, com tanta exposição de poder; apesar de os servidores passarem por rigorosos concursos e estarem empregados por mérito próprio, a plebe não deixa de ter razão em ressentir-se, sem comiseração, pois é ela própria quem paga, a duras penas, o gordo salário do funcionalismo que, além de gozar de estabilidade, consegue diferenciar-se da maioria dos cidadãos até na hora da morte com suas aposentadorias integrais. Mas que, por outro lado, estes apenas servem-se legitimamente das leis feitas por seus compatriotas, nada devendo em si de concreto à população.
Se mamãe não morasse tão longe, popularesca em seu ditado insensato, colocar-nos-ia uma propícia frase sobre este assunto que me repetiu por toda a infância na ocasião em que me via em lágrimas pelo fato de uma prima ter-me tomado um brinquedo: por estes lados tropicais, “quem pode mais, chora menos”! Porém não nos esqueçamos de que, no nosso tempo, as leis, os estatutos... são eles feitos pelos homens... e dói pensar que, ao criá-los e promulgá-los, agem de modo tão desigual; assim como é incompreensível o fato de criarem leis para serem seguidas com unanimidade, e desobedecer a elas em seguida, numa seqüência viciosa de criar e burlar..., quando do interesse próprio, enquanto é sabidamente por todos que os pobres são chamados a comparecer religiosamente com os seus impostos devidamente quitados, faça chuva ou faça sol.
Mas, voltando à questão central do Banco do Brasil, embora as coisas muito tenham mudado por lá, e quem ali trabalhe tenha adquirido com o tempo um ar mais humilde, mais modesto e mais solícito, às vezes, ainda surge aquela sensação de arrogância por parte da instituição. Estes dias, por exemplo, fui a um posto do banco localizado num bairro de Uberlândia para tirar uma xérox. E, enquanto aguardava a impressão, fiquei observando duas senhoras idosas que entraram ali e não conseguiam se comunicar de pronto com o caixa que tirava as cópias, devido a um antipático vidro fumê. Elas chegaram, olharam, olharam e concluíram que o banco só podia estar fechado... (isto porque se tratava de uma agência de Banco Popular do Brasil). E como a ajudante do caixa, com ares e modos de garota call center (que nem sorria, nem usava jóias e nem laquê), parecia muito ocupada para esclarecer-lhes algo, tratei logo de avisá-las de que o banco estava aberto sim, e que deveriam dialogar pelo orifício do vidro.
Ora, tal como eu, elas o fizeram com muita dificuldade, pois mal conseguiam ouvir o que o atendente dizia. A mais jovem, a interlocutora, às vezes, inclinava-se virando-se e colocando o ouvido no círculo... quando não, ficava na ponta dos pés para tentar falar sobre o vidro...
Francamente, é horrível deixar-se ser vista sem reservas, sem, no entanto, não poder ver o que se passa do outro lado do balcão. Quando isso acontece, você se sente invadida por uma sensação de limitação, de desigualdade, de impotência, mesmo, o que não deixa de causar indignação. ...Puxa vida, até num banco do povo!...
Foi uma situação constrangedora. ...E quebrando a regra do brasileiro que nunca reclama de nada para parecer fino ou por achar que não vale a pena, assim que elas saíram, questionei duramente o caixa a respeito da razão da falta de visibilidade para quem está na desvantajosa posição do lado de fora.
Felizmente, nem tudo estava perdido. Se antes, por segurança, ou para protegê-los do sol, depois, coincidência ou não, o bom senso da instituição prevaleceu. O rei, às vezes também perde a majestade: uma semana depois passei por lá de novo e o vidro da discórdia havia tomado chá de sumiço. “Foram-se os anéis, ficaram os dedos.”

VERA FORNACIARI

terça-feira, 21 de agosto de 2007

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

ABRAÇO PARTIDO

SOBRE ABRAÇO PARTIDO:

Dentro deste mundo espesso, melancólico e cheio de nostalgias em que você entrará - agora sim -, cabe muito bem aquela impostação de voz da renomada escritora já citada neste blog, feita, desta vez, com recheio plausível, especialmente adaptado para a ocasião: quem nunca teve uma desavença familiar “que atire a primeira pedra.”
Em minhas crônicas, atrevo-me, quase sempre, a falar sobre assuntos que incomodam, que machucam, sobre aquelas coisas mais inconfessáveis que doem quando vêm à tona. Mas eu as encaro com naturalidade, visto que um escritor, para ser autêntico no que diz e no que faz, não pode fugir de si mesmo.
A diferença entre mim e a maioria das pessoas é que não enxergo barreiras para ser eu mesma vinte e quatro horas por dia, dizendo as coisas que realmente penso, enquanto a maioria esconde os seus dramas familiares debaixo do tapete com medo de expor-se, por querer parecer perfeita aos olhos de outrem.
Assunto mais delicado ainda, quando se trata de mãe, aquele ser inatingível que, caso a sua postura e a sua conduta são postas em questão, em última instância, ela está sempre certa, ela sempre tem razão, posto que, nos lares conservadores, já nasceu sagrada. Mas o amor, o carinho e o respeito que eu sinto pela minha, não podem impedir-me de expressar artisticamente sobre tudo o que ela representou para mim, positiva e negativamente, vivendo numa época e num lugarejo muito restrito e espiada pela afiada língua familiar.
No decorrer do texto, perceberemos que, às vezes, o que magoa uma criança é justamente aquilo que os pais jamais presumiriam como importante (o que não é muito diferente na vida adulta também, visto que os pais, por mais que neguem, têm as suas preferências por determinados filhos).
Há quase quarenta anos, por uma questão cultural, as mães sertanejas escondiam a sua gravidez dos seus filhos, pois tinham pudor de falar-lhes a respeito. E quando o filho caçula deparava-se com a surpresa, ouvindo o bebê a chorar no quarto após o parto, tinha um choque. O que nem sempre significava um choque ruim.
...Fiquei muito indecisa sobre aquele serzinho vivo, sobre aquela frágil bonequinha de carne que mal se mexia vestida de múmia devido às faixas, atrevidamente colocada por sobre o meu berço, que chegara sem avisar e que muito em breve se apossaria das tetas da minha mãe e da sua vida.
...Os paviozinhos acesos no óleo por sete dias para a criança ainda pagã não ser rondada pelo mal enquanto não fosse batizada... a maletinha da parteira, o aguardar ansioso na ampla cozinha de tábuas na casa da vovó por todos à espera da“novidade” – jamais sairão da minha memória.
Mamãe, a mulher que hoje há em mim, já conseguiu superar a mágoa do silêncio sobre a chegada da cegonha. Mas a criança rebelde que se sentiu abandonada, ainda não. Mamãe viaje comigo agora no nosso caloroso e apertado... Abraço Partido.


ABRAÇO PARTIDO

Lembra-te, mamãe, de quando eras só minha, e eu não precisava te dividir com as outras duas intrusas?
-Arredia em teu colo quente, fazendo manha de menina única, choramingando, te imitava no chiado ruminado nas contas do rosário beato, num pranto choroso que só você sabia interpretar, querida mamãe. ...Os teus cabelos macios por sobre os ombros, tua voz, tuas cantigas de ninar, todo o teu harmonioso conjunto de bem querer de mãe, cheirando a calmante de erva-cidreira, embalavam-me num sono profundo que eu ia lá longe ter com os anjos dos púlpitos..., para depois voltar mansinha de uma tarde de sono. E eu só despertava depois da chuva... quando já sacudias o berço para o banho e a papa.
Ainda me recordo como se fosse hoje, como ficavas nervosa quando perdias a mão do sal com o de comer dos camaradas, em pleno sol ardido de agosto, colheita adentro.
Lembra-te daquele nosso segredo, mamãe? Tal como te prometi, nunca o contarei. Só eu e Deus sabemos o quanto ficaste esquisita na cadeira esdrúxula do dentista, com o dentinho da frente quebrado, gesticulando em vão... num ah, ah... abafado.
...Tudo tão presente em minha mente, como o cheiro açucarado da laranja-da-terra fumegante sobre as brasas alaranjadas que lambiam a escuridão lá fora pelas frestas sem mata-juntas: ...Nho João, sinhá Tana, a casa pobre, os agregados, o teu costume feio de deixar o machado lascado no pé da soleira..., os ruminantes - no sol frio da tarde invernal, a “vasca” cheia de roupa suja de molho quase encoberta pelo pudor das ramas de chuchu, debruçadas.
À sorrelfa, vez em quando, dava-me palmadas para catequisar-me. Como era eu de miolinho leviano para o perigo, apartavas -me das facas, das enxadas afiadas, dos touros de chifres pontudos, das bravas galinhas chocas, das porcas paridas de novo, das perigosas cisternas que moravam nos fundos das casas. Quando não, dos pregos, das torporosas latas enferrujadas que traziam cortes que muito latejavam à noite e despertavam o sombrio medo do tétano.
Interesseira em obter atenção exclusiva, eu transformava tudo em causa própria. Transgressora natural das regras, sempre que podia, desobedecia-te. Gostava de medir o teu poder e a tua influência sobre as coisas, sobre os outros, e, principalmente, sobre mim mesma.
Aos domingos, dizias que tínhamos de cumprir uma missão: e, em comboio, sob o cajado patriarcal, lá íamos nós ensolarados em fila indiana pelos trilhozinhos... pelas estradas estreitas e primitivas. E eu, munida de meus vestidinhos bordados, ia lânguida, morosa, precoce e esguia, com uma mão atarracada em teu mindinho e com a outra segurando firme o tostão amarrado na ponta do lenço suado para a esmola; conscienciosa, prestava atenção aos ensinamentos.
A fé partilhada, os costumes passados de boca em boca, o nosso quase dialeto..., você penteando os meus cabelos embaraçados no roto sofá de tardinha... e eis que de chofre, da noite para o dia, sem ao menos ter tido o vislumbre da confidência, do derradeiro recurso do aviso prévio materno que tanto prepara o coraçãozinho infantil, a vicissitude de surgir, no mesmo velho berço que outrora fora meu, a “novidade”, aquela que definitivamente representaria o último lastro da minha infância...
De tanto ir e vir a parteira - carregada de filhos, tu não me davas trégua, mamãe... E como me purgasse a consciência abandonar-te, como bem o sabes - aos nove anos tornei-me a segunda mãe da minha irmã do meio, e aos dez, da caçula, não fugindo assim das leis da tradição familiar que me ceifou o colo e o tempo para brincar.
Depois de me sentir entregue à própria sorte, superada a odienta certeza do trono perdido, com o meu coração claramente posto à prova, as minhas irmãs se tornarem as minhas melhores amigas. Elas se tornaram, para mim, as ovelhinhas mais queridas deste mundo e amei-as profundamente com toda a força da minha existência.
Mas, mamãe, nossas almas não foram ofuscadas pela metáfora do mal do berço, pela cegonha, pela ingratidão daquele coração insensato, pelo serpenteamento de najas que volta e meia rondam a paz das relações, pelo ranço da usura; pois, sobre este último, bem se sabe da eterna sintonia que há entre mães e filhos, e da obsessão por acharem-se próximos, por tocarem-se com palavras e gestos, mesmo que pautados por uma existência de conflitos. Creio que também não pelas intrigas familiares: as mães já parem avisadas pelo o seu extinto, e pelas suas próprias mães, de que os seus sempre se digladiarão entre si, pois, além da grande diversidade de idéias que paira sobre cada cabeça e das particularidades inerentes a cada um, cada qual vê refletido no outro, o empecilho da imortalidade no coração da mãe, já que enxergam inconscientemente no irmão de sangue, o sonho narciso desfeito de ser único. E como não se perdoam mutuamente, tecem-se comentários ácidos a respeito uns dos outros, na ingênua esperança de parecer exclusivamente perfeitos aos olhos dela. E a mãe precisa munir-se de muita astúcia para não ser usada nas desavenças. Por isso, a mãe que realmente tem bom senso passa a vida exercitando o equilíbrio e a paciência, para agir com imparcialidade nas intrigas familiares, sem nunca dar completa razão a nenhuma das partes, embora, desde cedo, saiba muito bem quem geralmente a tenha. O que não deixa de frustrar os filhos, que, se vêem exclusivos nas virtudes, logo, querendo a mãe só para si.
Os filhos, às vezes, ficam entristecidos, desapontados pela falta de coragem e de enfrentamento por parte da mãe diante das feridas abertas pelos seus. Eles ficam decepcionados com a sua aparente omissão, com a sua ausência de posicionamento, pelo fato de ela não ter coragem de pôr o dedo na ferida dos que se prevalecem da fragilidade e da educação dos mais sensíveis, gritando mais alto, impondo a sua opinião à força com colocações ríspidas, visto que a palavra final da mãe serve justamente para deter os exageros dos insensatos que se consideram donos da verdade. E, muitas vezes, na intenção de não querer desavenças, a desunião familiar, de acalmar os ânimos, ela foge do diálogo urdido, encerrando-o entre as partes, permitindo, assim, que se crie uma ferida maior: a mágoa - quando tudo o que aquele que está se sentindo injustiçado esperava ouvir dela seria exatamente o contrário do silêncio.
Nós precisamos, almejamos, necessitamos ouvir o bater do martelo das nossas mães quando nos sentimos magoados, em franca desvantagem com relação aos nossos irmãos, porque possuímos sempre uma estúpida vontade de fazer justiça com as nossas próprias mãos. E, por ironia, nesses casos, enxergamos na figura da mãe uma extensão do nosso próprio corpo, uma leal advogada.
Quanto a nós, mamãe querida, tampouco fomos afastadas pelo tempo desgrenhado que corre veloz, pelos vãos dos nossos dedos esguios, pela distância que machuca e apaga as pegadas das lembranças, pelos teus limitados olhos de vidro que, hoje, tudo vêem, cautelosamente. Nós fomos, sim, separadas pelas palavras. Mas não pelas palavras duras pronunciadas, pelos espeloteamentos contidos nos gestos, pelas palavras nascidas do expressivo olhar subjetivo. Nós fomos separadas mais precisamente pelo silêncio das palavras, mamãe. A ausência de palavras... quando se faz urgente serem proferidas em favor de um coração aflito – doem mais do que o excesso de palavras estouvadas. A ausência de palavras... esta sim, representa o desamparo, a eterna e imperdoável solidão..., a verdadeira e profunda dor do abraço partido.

VERA FORNACIARI

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

GALO CAPÃO

A RESPEITO DO GALO CAPÃO, FAZ-SE NECESSÁRIO EXPLICAR QUE:

Bem, muitas pessoas já estão me questionando sobre parte daquela minha dedicatória às mães que têm seus filhos na tal fase do galo capão, citada na justificativa da minha crônica de Natal. Por isso, cabe-me esclarecer:
Já faz tempo... isto é lá da época dos tampeiros bordados a mão, mas o costume ainda sobrevive em algumas vivendas. Os antigos capavam o galo e punham-no chocar no galinheiro em jacás no lugar das galinhas. Este procedimento se justifica pelo fato de que o galo capado engorda muito, fazendo um “rodero” maior, cabendo, desta forma, debaixo de si, muito mais ovos (cerca de 20). A outra razão era que ele mostrava-se muito mais dedicado do que a própria galinha: capado, o pobre galo, que até há pouco reinava com macheza no galinheiro, se transformava no rei da proteção do terreiro, encarnando com perfeição o papel ditado pelo dócil instinto materno feminino. Quanto à alusão que fiz com relação à afinidade do galo capão com o “menino-home,” ela está ligada ao fato de que, quando se castra o galo, ele, às vezes, canta normal, e, às vezes, desafina, tal qual o faz o adolescente que ainda está se auto-afirmando na modulação da voz ao emitir os sons. Logo, referi-me obviamente à tumultuada fase de transição da adolescência para a maturidade, que é cheia de transtornos para os pais. Daí, a dedicatória muito original.
Vale lembrar que o galo capão dos mineiros vira galo estragado para os goianos: nem homem nem mulher - capão!
...Coisas maravilhosas do Brasil interiorano que, para divulgar, faço questão de usar este espaço, já que não pretendo fazer dele um palco de excentricidades, e muito menos uma extensão alienada do meu próprio corpo. Assim sendo, devo dizer que as diversidades são muito bem-vindas e que narrações de cunho regional vividas ou ouvidas por pais e avós por parte dos leitores são desejadas e esperadas por mim, e que elas só vêm a enriquecer o meu trabalho. Eu me interesso por tudo: desde aquelas receitas arcaicas narradas detalhadamente, que estão desaparecendo das nossas tradicionais cozinhas, ao modo como as pessoas viviam ou ainda vivem nas fazendas e nas pequenas cidades do interior. Só assim a tradição resistirá à fugacidade dos tempos modernos. Modos, costumes, roupas, haveres, linguagem (neologismos, ditados, expressões), moradias, ferramentas, tudo faz parte de um rico patrimônio que precisa ser divulgado e conservado para as gerações futuras. Afinal, não é segredo para ninguém que sou apaixonada pela tradição mineira, e muito preocupada com a preservação da tradição do resto do Brasil também!


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CRÔNICA DE NATAL

JUSTIFICATIVA DA CRÔNICA DE NATAL:
Escolhi este tema e fiz este trabalho prazeroso seguindo uma sugestão do Mestre que não quis aparecer: julga-se muito importante para isso. E é. Paciência.
Sendo assim, a minha dedicatória vai a todo brasileiro que se sente ferido perante a tantas discrepâncias governamentais, a todas as mães que, como eu, têm o seu “menino-home” na fase do galo capão, e ao povo em geral, que está aí roendo tampa de penico, com os seus filhos estudando nas degradantes escolas públicas brasileiras, enquanto milhões são desviados a favor de poucos.
...Não me julguem: sou apartidária; não acredito em partidos, acredito em pessoas. E antes que me perguntem, não tenho a menor intenção de candidatar-me a nada. Quanto à pontinha de cinismo... esta fica por conta do estilo que herdei como legado do tal... Mestre.

CRÔNICA DE NATAL

A magia do Natal põe tudo em seu devido lugar – pelo menos por uns dias: as pessoas ficam dóceis, tão inclinadas a concordar...! As crianças clamam por presentes... As mulheres compram vestidos novos, preparam ceias, e o diabo do poder dá um tempo.
Ao contrário dos votos que eu me faço todo ano, para o ano que vem, a vã promessa de um ser “remodelado.” Com certeza, serei eu de novo na fita, sem óleo de peroba ou vaselina na cara, sem máscaras ou subterfúgios, fugindo da carapuça do marketing como o diabo foge da cruz: ... burro velho não aprende mais – reza o ditado do interiorzinho.
Diferentemente de outros tempos, hoje, na abordagem do capitalismo tardio, tudo gira em torno do marketing pessoal. E como fala aquele colunista da Folha de São Paulo, tudo vira “de plástico.” Sorrisos “de plástico”, favores “de plástico,” relações “de plástico.” E com o plástico tão em moda, a indústria da auto-ajuda encontra terreno propício para nos disseminar soluções milagrosas e meter a colher nas questões mais íntimas. Lembrando que, ao julgar, aconselhar ou criticar, quem o faz coloca-se automaticamente, numa posição de superioridade, de exemplo, de suposta vantagem... sobre o outro.
Mas, suscetível e volúvel como o ser humano é, será mesmo que alguém pode se considerar doutor em felicidade?
...Com a chegada do Natal, tem gente que não perde a oportunidade de querer nos transformar em vaquinhas de presépio...!
Saio deste ano (“de plástico”), quero dizer, velho, com a forte sensação de dever cumprido: não logrei meu patrão, o colesterol e o trigliceres estão em ordem... fui leal à minha esposa e aos meus amigos, já paguei promessa pros Santos Reis e consegui guardar algum. Saio com o orgulho de sempre levar para onde vou a força e a determinação do meu trabalho. Sim, porque gente como eu vive para o trabalho. O trabalho vira a razão maior. Sem ele, parece não haver identidade. Sem o trabalho, a gente broxa! E, às vezes, a gente broxa por causa do trabalho num trocadilho indigesto.
O trabalho e o nome limpo são as coisas mais valiosas para gente como eu: sem eles, não se consegue comprar a prazo.
...Ai que saudades da vidinha besta do interior... Eu não “faiava” numa domingueira, e galinha me acordava cedo cacarejando no quintal... Lá, eu não precisava passar pela dor de decidir entre viajar nas férias prá casa de um parente, ou colocar laje na minha casa. Lá, quando chovia, eu não trabalhava... “por mó di que” o mato e a terra embatumavam na enxada;... chegava a ser bonito tantão de homem bebericando na venda e jogando truco” adispois” da cesta...
Tudo alagado pela represa da hidrelétrica...
Mas saio deste ano velho cismando que há algo errado comigo. Sinto-me pequeno, indefeso, impotente e perplexo diante dos fatos que se levantam à frente dos meus olhos como uma constante arapuca: e vai em cima e vai embaixo...e quanto mais a mídia cavoca, mais podridão sai no enxadão... Nesta verdadeira crise de valores que estamos vivendo, já começo a colocar em dúvida se certos os ensinamentos do meu pai... A turma do RH diz que eu estou sofrendo de baixa-estima; talvez, depressão... Mas o meu problema já foi escancarado por Tiãozinho, amigo meu: “deixa de ser besta, sô... ocê é certinho demais... assim, não há quem arribe de vida!”
Veja bem: rezo pelos os que me invejam, fico corado quando minto, pago as minhas contas em dia... olha só que coisa infame: não consigo dever, tenho insônia! Isto é ridículo. Os ricos devem e acordam sem olheiras, não passam mal de gastrite por isso. Tem rico que faz coisa pior e nada lhe acontece, nada... E nós ainda lhes batemos continência, estendemos tapete vermelho. ...Nós, imitando a humilde figura bíblica de Lázaro, contentamo-nos com as migalhas que caem das mesas dos poderosos. Tanto tempo passado e ainda não evoluímos em nada na nossa atitude servil. ...Ah, meu Deus, é este maldito complexo de pequenez que acaba com a gente!
A chegada de mais um ano novo me faz lembrar que estou ficando velho, que meu marketing pessoal é fraco porque sou tímido - que meus cabelos estão brancos, que já estou sem paciência para reviravoltas tecnológicas e desmandos midiáticos. Olha só se não é para o caboclo direito perder a cabeça: a mesma mídia que me mantém informado, traz-me a toda hora um filho duma mãe tentando me dizer o que devo fazer da minha vida, onde devo enfiar meu dinheiro... numa continuação enviesada daquele discurso presepado!
Como resposta positiva ao interesseiro discurso capitalista, a mídia nos vende diariamente a fórmula do prazer máximo em todos os sentidos. E o resultado desta proeza é o que a gente vê por aí: seres infantilizados que não aceitam que nada fique para ser vivido no amanhã. Viramos os seres imediatistas do aqui e do agora.
Eu bem sei... hoje não é dia disso... estão todos em clima de festa, todos eufóricos e distraídos com a minha deselegância; todos desatinados com o meu indiscreto balanço de vida fora de hora, por isso, sinto-me à vontade para lhes confessar que sou um cara medíocre de frente e verso...: eu não consigo ser engraçado como os meus amigos... Eu não consigo encantar como aqueles que pensam pouco... Eu não tenho o charme dos irresponsáveis... que riem à toa! Eu não tenho a insanidade daqueles que jogam dinheiro dos outros fora... Daqueles que lavam a rampa com champagne francês... e, depois, num ímpeto de sanha, ali defecam maculando assim o que deveria ser sagrado, fazendo-a cair na descrença do povo que a tem como espelho.
É este excesso de dignidade que me atrapalha! Vou lhe ser franco de todo modo: a minha leitura pouca e a minha dignidade muita não me permitem a falsidade do beijo de Judas; o tascar no alheio. E é por isso que a essas alturas eu invejo a cara de pau de muitos parlamentares que roem; dos que confabulam nas sombras com os traseiros acomodados nas macias cadeiras de veludo. ...Eu sempre sonhei em ter seis cadeiras de veludo na sala, em dar escola boa para os meus filhos. Eu sempre sonhei em fazer uma grande compra em um supermercado, aquela de encher três carrinhos sem suar frio só de imaginar quanto iria custar. Sonhava em ir a um dentista pago antes de perder os meus dentes. Sonhava com um médico decente que desse conta de curar o mal que levou me pai. E hoje olho para os meus filhos e fico triste, porque eu não vejo também mudança significativa alguma para o futuro deles, ao observar o caos que virou a educação brasileira. Está tudo errado: lá, na escola em que eles estudam, há muitas obras clássicas que foram doadas, mas eles não são persuadidos a desbravá-las... A secretária de educação, a diretora, a professora, sei lá quem... prefere sempre adotar as de fácil compreensão, as “mais molinhas,” as mais engraçadas. Por isso, o poder de raciocínio e de coesão deles, na hora de se pronunciar, de produzir e de interpretar textos, já está bem menor do que os das gerações passadas.
O saber está raleando.
Admito: em muitos aspectos, os nossos filhos nos superaram, nos passaram a perna. A geração videoclipe sabe muito, mas é um saber fragmentado... embora viva num tempo de amplas possibilidades e consiga fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Lá, na escola dos meus filhos, também há computadores, não posso negar esta tentativa de democratização da tecnologia por parte do governo federal. O Lula tem sido bom neste ponto. Mas o que a “inclusão digital” tem acrescentado de real e objetivo para o aprendizado dos meus filhos? Nada. Porque, ao contrário de muitos países, aqui no Brasil, ainda não foram desenvolvidos conteúdos significativos para serem estudados no computador dentro da sala de aula. Desta forma, os meus filhos vêem o computador da escola mais como um lazer, como uma atividade extra-classe, uma válvula de escape para matar o tempo. Ainda quanto à contribuição positiva da era digital para a vida escolar, se abusar, os meus filhos continuam falando tão errado quanto o Jeca Tatu. Talvez até pior, porque agora eles dilaceram literalmente a língua portuguesa no bendito messenger nas lan houses diariamente. Os meus filhos são os analfabetos do computador. Eles só sabem copiar e colar. Não estão culturalmente preparados para se interessar, para compreender a importância do aprender, do pesquisar, do assimilar. Eles não estão preparados para investigar, para decidir, para arbitrar sobre o que é bom ou ruim, para separar o joio do trigo. Afinal, nem tudo o que brilha é ouro. Lá, onde os meus filhos estudam (que deve ser o mesmo lugar onde a maioria dos brasileiros pobres estudam ), como prova de total falta de diligência - eles não são suficientemente instruídos e estimulados pelos seus superiores de forma lúdica a usufruir das vantagens da máquina sem se deixarem cair nas armadilhas que lhes desviam a atenção, já que lhes falta maturidade. E como santo de casa não faz milagre – eu conto em vão com a possibilidade de aparecer alguém lúcido, com temperança suficiente para lhes explicar com didática, com amor e tolerância, com a divina vocação de quem nasceu para ensinar independente do valor do salário: “Ô, coraçãozinho... não é assim não, copiar sem ler e interpretar não vale não, viu!..., é zero! ...Assim como também é nota zero dar como suas, idéias que não lhes pertencem...” Desta forma, diante da negligência dos meus filhos, que dão Ctrl c e Ctrl v nos trabalhos escolares - na ausência desta total falta de atitude, de posicionamento e de coragem do mestre, que, por outro lado, também é diariamente cobrado pela escola camaleoa a não desagradar ao despotismo desta geração cibernética, que ameaça as instituições com a evasão escolar - a escola finge que ensina, e os meus filhos fingem que aprendem, numa prova cabal da consolidação da hipocrisia e... do desinteresse mútuo.
Diante desse ambiente desagregador, no qual a boa leitura é vista como algo desgastante e o computador é encarado nas escolas mais como uma diversão, nós, brasileiros, estamos sendo assolados por uma forte onda de conformismo em todas as instâncias; estamos nos habituando ao fracasso. Desta forma, está crescendo no país um novo tipo de “amarelão,”: trata-se daquele aluno improdutivo do ponto de vista intelectual, que sai da escola com diploma, mas sem entender ao menos por que lá entrou; Logo, sem perspectivas de futuro. Desta maneira, dá-se profeticamente a higienização unilateral da ignorância, que cumpre a sua meta de vencer o analfabetismo, apenas do ponto de vista estatístico. Conclusão: continuamos a amassar barro quando se trata de traçar estratégias para eliminarmos aquela doença que “astravanca o progresso.” ...E, pelo andar da carruagem, o pessoal do ministério da Educação vai continuar se perguntando por muito tempo: “oncotô..., proncovô...?” -O momento pede coragem. Portanto, admitam e repitam comigo: nós erramos.
Uai! então não são mais as crianças que representam o futuro de uma nação? Pela indiferença e pelo desprezo que lhe são atribuídos - no Brasil - pelo jeito, não! No Brasil, o saber lasseou.
Os meus filhos conhecem muito bem um mouse, mas, em contrapartida, não conhecem o cheiro de bosta de vaca. Conhecem fórmulas de matemática que dificilmente terão oportunidade de usar na vida prática, mas, em contrapartida, mal sabem expressar no papel os seus sentimentos mais primários, e ainda por cima escrevem paçarinho com...
...E é essa falta de contato com a realidade que me preocupa! É este desinteresse pelas origens das coisas que me tira o sono. O mesmo condutor de energia... o mesmo fio condutor que ligou a geração dos meus ancestrais tataravós à minha geração, e que agora tenta manter o mesmo elo com a geração dos meus filhos, está se descolando, perdendo contato, porque, neste tempo novo, tudo é movido e ligado por uma linha muito tênue... tudo começa e termina com muita facilidade. É tudo artificial, sem profundidade, raso, oco. Temo que a era do similar, do simultâneo, da interatividade, seja sinônimo da morte da nossa memória, a julgar pelo desinteresse que os meus filhos cultivam pelas coisas do passado, pela história do mundo e até pela nossa própria história de herança familiar, que inclui desde os preciosos cadernos de receitas que vinham com o enxoval da noiva..., álbuns de fotografias, toalhas bordadas à mão - aos bucólicos aparelhos de chá de porcelana. Com tanto desdém e com tantas facilidades à vista, não é à toa que os meus filhos achem que dinheiro dá em pé de tangerina...
-“Mamãe, fique fria: aquele papo da manga com leite já caiu...”
Se para o bem ou para o mal da humanidade, não cabe a mim julgar, mas a tecnologia (e com ela o computador e a internet), veio para ficar. Assim como na minha infância, em meados da década de 1960, o princípio das noites passadas nos terreirões de café, ao luar, namorando as estrelas, foi substituído repentinamente pela companhia da televisão com a chegada da energia elétrica, destituindo brutalmente o poder do rádio – hoje também as crianças modernas vêem-se diante de um novo paradigma. Para elas, para muitas crianças e adolescentes, menos revisitados pela consciência e pela presença dos pais, o computador (Leia-se: internet) veio substituir a infância de verdade, real, a vida alegre e ensolarada que há lá fora. Ele modificou a forma deles se relacionarem com a família, com as tarefas escolares, com o namoro e com os amigos. Com este último, hoje, muitas vezes, preferem fazê-lo à distância. Chegam ao cúmulo de conversar horas na internet com o coleguinha que mora do outro lado da rua. O computador silencioso, frio e onipresente, sintetizou, suprimiu, abreviou o prazer dos nossos filhos de brincar de amarelinha nas ruas, o encanto das férias na fazenda, o ninar das bonecas e o brincar de casinha com suas nanas e papas, que perdurava até às vésperas da adolescência. Em muitos casos, ele veio sorrateiramente preencher a ausência da mãe, que, assim como o pai, hoje, também sai igualmente de casa para trabalhar, deixando no lar um vácuo, abrindo uma lacuna que NINGUEM consegue preencher. Espaço este que, às vezes, se tenta preencher com a presença da empregada doméstica, atribuindo-lhe a função de lavar, passar, cozinhar e ainda cuidar das crianças por um salário mínimo. E esta, diante de tantas atribuições, dá graça à Deus quando a criança planta-se horas distraída em frente a um aparelho eletrônico.
Essa engenhoca, essa máquina deslumbradeira de sonhos, virou, na visão dos nossos, uma companhia, uma espécie de anjo da guarda sem alma e sem asas, um anjo de cara suja às avessas; uma espécie de brincadeira solitária, séria, individual, uma espécie de fio terra eletrônico em que as crianças e adolescentes despejam todas as suas energias, só que com outros tipos de peraltices...
...Elas dão uma voltinha e, quando a gente pensa que elas se esqueceram da pecinha anexa,... lá estão elas de novo teclando, vivendo a vida “di mentira” paralisadas diante da maquineta, reféns da atraente tela, enlouquecidas com a multiplicidade de mensagens que pipocam sem parar. E quando não, estão falando freneticamente ao celular, substituindo as queimadas e as peladas pelo ruidoso videogame convencional (que aos poucos também vem sendo destituído pelo poder atrativo do computador), deixando,assim, pouco espaço para o altruísta diálogo familiar.
Cabe aos pais e às escolas redirecionar o uso deste introspectivo brinquedo novo, que, usado de modo inadequado, pode virar uma verdadeira arma contra a vida familiar e a educação. Mas, que regrado, manipulado com sabedoria, vigília e sensatez, pode ajudar a diminuir a distância entre os países de primeiro mundo, e o fosso da educação dos de terceiro...
Com tanta preocupação me tirando o apetite, constato que eu estou só. Porque eu, João Tenório da Silva, sou o povo. Hoje, o povo não tem ninguém por si. É muito doloroso para um pai descobrir que os seus filhos também estão sós. Ao contrário de muitos governantes cercados de parlamentares eleitos de forma legítima, que, muitas vezes, nem parecem ser pais tamanha indiferença com os filhos dos outros – os pais de família “de verdade” sempre pensam no bem maior, porque eles são constantemente assolados pelo fantasma da empatia que herdam quando os filhos nascem. Quando os filhos vêm ao mundo, os pais sempre acham que os seus filhos terão um destino melhor que os seus. Daí, a minha grande frustração: olho para os meus filhos e vejo a mesma história medíocre da minha vida a se repetir.
Admito: eu sou um João ninguém... mas daí aos meus filhos, a sê-lo - não! ...E para pressagiar o futuro deles, nem preciso dos serviços de uma competente cartomante. Basta observar a abissal distância de conhecimento que existe entre os meus filhos e os primos mais privilegiados...
Com o mundo tão moderno, tão competitivo e tão cheio de novidades ameaçadoras, talvez a psicóloga da empresa tenha mesmo razão: preciso dar uma reciclada. Esta decidido: pelo bem dos pardais que eu tenho em casa para dar água, farei um esforço extra, deixarei a porta da boa vontade aberta para a inteligência emocional de Goleman entrar cachola adentro (eu não falei ainda pra vocês, mas tem um estagiário letrado na minha cola... aceitando ganhar cerca de 30% do que eu ganho para exercer a mesma função do que eu. E ele tem um marketing pessoal que me mata...). Tentarei também como estratégia de sobrevivência na selva, ser mais engraçado: no novo ano, farei um cursinho de humor negro com o Paulo Eduardo... e tentarei distribuir sorrisos encapsulados à vontade...
Mas, para as mulheres, más notícias – não pretendo fazer cirurgia para reduzir o estômago, implante de cabelo, ou mesmo me separar nos próximos 50 anos. A experiência de vida me ensinou que eu sou o que sou, e que, a essas alturas, vale mais uma pombinha leal na mão do que duas assanhadas voando.
Lya Luft, eu não tenho nada contra os seus livros. ...Eu sinto muito..., mas vou ter de te atirar a primeira pedra: sabe aquela mulher que você disse não existir, aquela, que jamais criticou as avacalhações do tempo... bem, você sabe... aquelas inevitáveis e indiscretas evoluções negativas da forma física humana (forma de bola) que chega com o avançar da idade? – ela existe sim senhora, mora aqui em Uberlândia, tem um metro e setenta de altura, pesa 64 quilos, tem uns pezinhos lindos, e diz que me ama com casca e tudo (e olha que além d‘eu ter um barrigão de chope, nem rico sou!).
Espelho, espelho meu... existe alguém mais sortudo no casamento do que eu???
...Pena que muito em breve o presépio de vidro voltará para a caixa de guardados... E com ele as fantasias encantadas de dezembro.
Quem ficou contente com a reeleição do Lula levante a mão... Para os demais, feliz natal!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
-Adeus ano velho!
Feliz ano novo!
Pronto. Acabou a trégua. Abriram a caixa de Pandora. É lá “em vem” o tropel do diacho do poder saltando na linha de frente, de novo!

VERA FORNACIARI

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

MONÓLOGO DA DESPEDIDA

MONÓLOGO DA DESPEDIDA

Talita:

Agora que a pressa e a juventude se foram com a sua vida cessada, e que você já mora em paz no jardim dos mortos - vou lhe contar um segredo: nós, atribulados viventes, seres humanos cristãos, temos muita dificuldade em compreender e aceitar os desígnios de Deus quando se trata de lidarmos com a dor da morte. Porque a morte representa, para nós, um quarto escuro, um terreno desconhecido, um pântano coberto por véus de mistério: o homem, com toda a sua sabedoria, a sua ciência e filosofia, ainda não conseguiu sequer compreender a morte – quanto mais superá-la!
Foge à nossa capacidade compreender como alguém que esteve ao nosso lado até há pouco, de repente, já não está mais - fechou os olhos para sempre, deixando os nossos corações angustiados, feridos de ausência, muitas vezes, sem ao menos ter tido a oportunidade da última despedida.
Mas, quem somos nós, seres de olhar de limitado alcance espiritual - para discutirmos a vontade daquele que tudo sabe e tudo pode?
E é por isso que, resignados, volta e meia ponderamos: ... Deus também precisa de anjos no céu para a concretização da sua obra... E deve ter sido por isto que ele a arrebatou, Talita – logo você foi a escolhida... Logo você, tão jovem, tão terna, tão cheia de sonhos...
Você tinha sonhos, Talita. Mas Deus tinha outros planos para a história da sua vida.
A nossa correria diária, o nosso egoísmo inerente a nós mesmos fazem com que nos esqueçamos frequëntemente de que a nossa vida não nos pertence. A nossa vida é dom de Deus, e só ele tem o direito de arbitrá-la. Por isso, quando no céu sobe a demanda por anjos, Deus vem a terra tomar de volta as nossas vidas que nos estavam apenas emprestadas.
Um dia, uma a uma ou em bandos, todas as nossas vidas serão levadas de volta ao juízo de Deus.
Nós aqui presentes, e representando aqueles que se fazem ausentes, estamos apenas no quinto período de publicidade na UNITRI, e tantas coisas já vimos acontecer neste tempo novo: muitos dos nossos companheiros já ficaram pelo caminho por diferentes motivos. E agora é você que também nos deixa, Talita. Mas, de todas as idas, de todas as partidas, de todas as perdas, Talita, você foi a mais triste, porque sabemos que você não voltará. Você não entrará por aquela porta, você não retomará o seu lugar vazio, porque o seu tempo acabou, ele se derreteu feito paredão de neve frente à quentura do sol da primavera...
Mas, para quem acredita verdadeiramente em Deus, e eu acredito, um consolo tênue: nós nos reveremos no dia da ressurreição...
Os desígnios de Deus são mesmo imperscrutáveis. Seus pais tinham sonhos lindos pra você, Talita. Mas Deus tinha outros planos para a trajetória da sua vida...
Descanse em paz, Talita... Amém!

VERA FORNACIARI