segunda-feira, 3 de setembro de 2007

O REI ÀS VEZES TAMBÉM PERDE A MAJESTADE

O REI ÀS VEZES TAMBÉM PERDE A MAJESTADE

Houve um tempo, já faz muito tempo... em que eu sempre entrava no Banco do Brasil acompanhada pelo meu pai, lá no Estado do Paraná, conduzida pelas suas grosseiras, mas ternas mãos de lavrador. Ele ia lá fazer “papagaios,” e eu ficava zanzando com os olhos, maravilhada, com aquela gente bem calçada e bem vestida que trabalhava naquele lugar lustrinho.
As minhas lembranças são hierarquizadas. Há, para mim, que primeiro vieram os homens... invariavelmente, engomados em suas camisas brancas de mangas longas e abotoaduras; depois, as mulheres produzidas, que sorriam sempre e usavam jóias: eram pedras verdes... e azuis... sobre o colo..., e brilhantes graúdos nos dedos..., e contas enormes de pérolas na pontinha das orelhas....
Eu sempre senti fascínio pelas pedras - daí a minha profunda percepção da presença delas onde quer que estejam, desde a infância. E foi por isso que ficaram tão cravadas nas minhas lembranças... como estrelas...
O tempo passou, e, como se sabe, o banco do Brasil já não tem mais o mesmo glamour daquele tempo..., trabalhar lá já não é mais garantia do mesmo status que até mesmo os que ocupavam os cargos mais subalternos tinham. E casar-se com um dos funcionários do banco já não é mais nem sombra de garantia de ter-se fisgado o melhor partido da cidade. Embora seja justo lembrar que o salário pago pela instituição ainda é seguramente superior ao salário que a maioria dos brasileiros ganha.
Hoje, as mulheres de diferentes estados que eu conheço que são funcionárias do banco (e eu conheço muitas, inclusive da Caixa Econômica) já não andam mais tão bem vestidas assim, parece que perderam um pouco daquela magia do olhar cintilante da minha infância...
Seguindo a uma tendência da globalização, houve uma padronização de gostos e de estilos; as bancárias deixaram de ser referência de elegância. Para a sorte de seus maridos, já não dormem mais de “bobis”; o penteado caiu de moda por bem do tempo escasso, e raramente usam jóias exuberantes, apelando, quase sempre, para o efeito artificial das vistosas bijuterias baratas que as imitam... Afinal, por mais que, num rompante, não se queira admitir, o poder aquisitivo da categoria também caiu; além disso, a mulher dedicada hoje tem bem menos tempo para si, o que a fez perder um pouco daquela... digamos... classe, daquele seu ar congênito de grãn-fina, no qual toda menina-moça vaidosa do meu tempo de mocinha se espelhava.
E hoje, tempo belicoso das razões maiores... no qual felizmente a elegância deixou de ser referência na justaposição para dar lugar à inteligência, há outro agravante que soa como uma ameaça para a vaidade e para a própria auto estima feminina: embora ganhe o seu próprio dinheiro, a mulher tem a responsabilidade de dividi-lo com as despesas da casa de igual para igual com o companheiro. E, numa cena não menos explícita de aplicação de poder, muitas que trabalham fora, fugindo da submissão, arbitrariamente, prestam contas do que ganham, centavo por centavo, ao marido, ressuscitando ridiculamente a palavra “mesada” advinda do seu próprio salário confiscado. Logo, trabalhar fora, para muitas mulheres, o que antigamente era visto como “luxo,” passou a ser quase que uma imposição, passando-lhes ao largo as palavras prazer e realização pessoal para virar pura questão de sobrevivência. ...E não raras vezes, no final do mês, sobra para ela menos do que sobrava da mesada suada do marido, quando na sorte de tê-lo justo.
Ainda há de se levar em conta que, sem tachá-la de se tratar de um ser anômalo.... anti-social... acomodado, ou de uma pobre perdedora..., nem toda mulher gosta de trabalhar fora... e ninguém nesta vida pode provar que a sensação de felicidade tão perseguida pelos terráqueos passe, obrigatoriamente, para todas pelo crivo da atividade extra-lar! ...Embora exista toda uma cultura... todo um discurso... errôneo e interesseiro atrás disso, no sentido de enaltecer as mulheres bem sucedidas em suas profissões e de simplesmente ignorar a mulher “do lar” que não aja assim, atribuindo-lhe, de forma velada, menos valor pelo fato de cuidar apenas da casa e dos filhos, como se isto fosse pouco, como se isso se tratasse de uma questão menor... e não merecesse o devido respeito por um século de dedicação. ...Como se o amor e a entrega jurados no casamento fizessem parte de algo ultrapassado. Como se tudo fizesse parte de um grande negócio. Inclusive o casamento, com suas rendas, seus espinhos e as agruras da maternidade.
Ora, colocando de lado, por um momento, todo aquele discurso idealista da liberalização da mulher, podemos afirmar veementemente que todos nós ocidentais, sem exceção, trabalhamos fora, matamo-nos para ganhar dinheiro, privamo-nos da presença dos nossos, enfartamos... se preciso for... por pura demanda do capitalismo que, cada vez mais, quer nos vender mercadorias... Somos induzidos a trabalhar mais para podermos comprar mais coisas. É elementar. É evidente. É ele, o capitalismo, quem nos atiça, quem nos aguça, quem nos faz enveredar enfeitiçados para os lados do caminho do poder. Foi ele próprio quem conspirou contra a mesmice... ensinando-nos a não nos conformarmos com o que temos, a nos espelharmos nos gananciosos que conseguem juntar mais em menos tempo, a deixarmos o que já é usado de lado, e comprar tudo novo, de novo,... sempre... sempre..., e construir pequenos ou grandes impérios para deixarmos para os nossos filhos... que continuarão com as nossas loucuras.
...E, para depois de tudo... estufados de dinheiro e de amor próprio... e com os sonhos enrugados feito maracujás maduros..., gastarmos fortunas no terapeuta para tentar compreender o tédio...; ...para tentarmos resolver os problemas criados com os nossos filhos...! E com os casamentos mal resolvidos. E com os nossos velhinhos solitários... E com a nossa própria solidão interior.
- Meninas, questionemo-nos: Deus, para que mais de sessenta vestidos no guarda-roupa, se vestimos apenas um de cada vez?????????
Quanto ao poderio masculino sobre o salário da mulher, estaria por acaso ele apenas se deslocando para outro foco? Estaria o machismo e a submissão, que andaram por longo tempo caminhando lado a lado, agora se redimensionado..., por acaso apenas mudando de nome e de foco, como uma metáfora dos tempos modernos? Espero que não. Não sou dada a aventar este assunto sobre “fiscalizar” e “controlar” a apropriação do salário feminino com profundidade. Mas, embora contra a minha vontade, é impossível ignorar a acomodação masculina sobre a renda da mulher que acontece hoje, principalmente nas classes mais baixas, local no qual ela acontece mais abertamente. O homem, confuso e inconformado com o sofrido golpe de falta de autoridade sobre a mulher devido a sua maior independência financeira, pressionado pela luz dos novos tempos, que, no início, se viu coagido a “deixá-la” trabalhar apenas para poder comprar as suas “coisinhas...” hoje, redimensionou todo o seu conceito de renda familiar, embora, sempre que possa, delega-lhe poder a conta-gotas...
Com a chegada dos filhos..., deixa o orgulho de lado e decreta que o dinheiro dela seja destinado a questões “ínfimas,” a seu ver, atribuindo-lhe como missão exclusiva a responsabilidade de dar o de vestir o de calçar e o de estudar aos filhos. E como nessa questão dois não viram um só, como pede o sacramento, se ela não o fizer, as crianças ficam sem..., já que ele considera supérfluas as necessidades que advêm dos filhos, diante da importância vital da comida e do peso do aluguel.
Assisto, diariamente, a esse filme, ouvindo as queixas das diversas funcionárias que passam pela minha casa. Mas não é intrigante como um gênero..., que até outro dia era mantido orgulhosamente pelo macho... (e ele fazia muita questão disto) e tanto se debateu para dizer-se livre, prestar contas a ele sobre tudo o que ganha com mudez, principalmente as mais “desprovidas de poder?” E não é igualmente intrigante ele apoderar-se do salário dela agora, ditando regras, redimensionando o seu uso, quando minimiza a sua importância? Não. Este procedimento é uma constante... é quase óbvio nas classes menos favorecidas, nas quais é, geralmente, a truculência que impera, como resultado da falta de diálogo, do respeito e, principalmente, da instrução.
Em pleno século XXI, isto de conduzir o relacionamento com mãos de ferro para fingir que manda na relação, lembra-me muito ainda a dominação masculina do século passado, quando ter sexo toda noite com o marido, sem ser questionada se queria ou não, soava ainda como uma forte “obrigação...,” ...Lembra-me quando o meu pai queria mandar até no destino da aposentadoria da minha mãe. ...Isto me lembra mais..., lembra-me quando aquelas que já eram mães na época da minha infância, afirmavam de cabeça baixa numa circunstância adversa: “Eu conheço o meu lugar.”
Estabeleçamos algo coerente: a mulher que não gosta de ser uma Maria valentona..., aquela, daquele tipo meigo que não quer impor-se a fórceps..., mas que, por um lado, deseja realmente a sua emancipação e, por outro, não possui um companheiro sensato que entenda que não se trata de uma competição... muito menos de uma conspiração..., que tudo o que ela quer é apenas ser amada, respeitada, compreendida e inclusive dividir o que ganha com sabedoria, olhando os dois lados para a mesma direção, ah, essa mulher precisa entender ainda uma última coisa. Enquanto ela não aceitar que estudar pra valer faz parte para se conseguir ter voz ativa na sociedade e o devido respeito profissional com um salário justo, não terá voz para arbitrar sobre a sua vida e, muitas vezes, nem para ser a verdadeira dona do ser corpo, como bem o disse a doutora Márcia Tiburi, filósofa da Faap, com relação a esta minha última colocação, discorrendo sobre a delicada questão do aborto um dia desses num jornal de circulação nacional: “Elas, em silêncio, agem como se não fossem donas e senhoras de seus corpos”. E, de fato, não o são enquanto continuam na velha economia da sedução, da prostituição, da maternidade, da vida doméstica, do voyeurismo do qual são a mercadoria.” E prosseguiu: “Que as decisões sobre os seus próprios corpos não pertençam às mulheres é uma contradição que poucas podem avaliar. Não ter voz significa não pertencer à política. “Na medida em que não participam nem percebem o quanto estão alienadas da conversa, as mulheres perpetuam a injustiça que as trouxe até aqui.”
Porque, concluindo o meu raciocínio, como já foi dito antes por Foucault, as relações são relações de poder, inclusive no casamento. Manda mais quem tem mais poder... E nem sempre o que tem mais bom senso... Logo...
Mas, prosseguindo em minhas abstrações, o foco da vida da mulher também mudou. Principalmente o das mulheres mais privilegiadas, que ganham mais, que não têm jornada dupla de trabalho... que são mais independentes e dão menos satisfações sobre a sua vida. Mas, se, por um lado, atualmente, essa mulher moderna tem outras prioridades e, diga-se de passagem, tem, a seu ver, coisas bem mais “nobres” para se preocupar, por outro, existe a questão desta histeria... Desta auto-exaltação... Desta tendência contemporânea de se levar tudo ao extremo, dum ponto ao outro. Pena. Manter uma certa dose de feminilidade, de controle afetuoso sobre o lar, de encanto sobre o casamento, e sobretudo o que diz respeito a ele, não desabona a inteligência e o valor de ninguém. Amar e dedicar-se aos seus, na medida certa, não diminui o valor da mulher. Pelo contrário, isto vem a enobrecê-la ainda mais! Lembremo-nos sempre de que, antes de sermos profissionais, somos mães. Somos esposas: não dá para simplesmente radicalizar, levar o feminismo a ferro e fogo, abandonar tudo em nome das nossas profissões. Deus nos fez insubstituíveis. De propósito, porque ele bem sabia que somos luz. E foi por isso que nos escolheu para parir e nos concedeu o olhar diferenciado da mãe.
Quero crer que, no tempo certo do amadurecimento, a mulher há de reencontrar na justa medida o equilíbrio do seu espaço entre a família e o trabalho como o merece, pois muito confio em sua capacidade de gerir as suas próprias contradições, já que a sua onipresença não é possível: somos limitadas. Somos humanas.
Mas, se, por um lado, essa mulher consciente do seu valor profissional que superou o medo de arriscar-se, perdeu a coroa de “rainha do lar” para virar guerreira, por outro, progrediu no sentido de não aceitar mais a infidelidade do outro como um mal sem remédio; as mais ousadas já não temem mais ficar no caritó...: casar-se já não é mais a razão maior de suas vidas. As mulheres felizes já não rimam mais amor com dor, e têm filhos muito bem resolvidos.
Soados os tambores de guerra da desmedida luta do dia-a-dia, a mulher, embora ainda tão explorada no mercado de trabalho e nas relações pessoais, já não se verga diante do caos, porque finalmente enxergou que é feita do mesmo material dos homens. E sendo de carne e osso, logo, errante e suscetível como todos os seres desta terra, está aprendendo a reencontrar a sua paz após gerações e gerações, remoendo-se em plena guerra interior.
Embora pela lógica seja de se supor que os vaporosos vestidos femininos em nada depõem contra a determinação da mulher até que se prove o contrário, práticas, as mulheres hoje enveredaram para os lados das calças compridas...
...Dizem-nas pressentidas... grasnadeiras – um mar de inquietude... Mas, desprestigiadas no passado, e muitas vezes vítimas da leviandade da língua masculina, que historicamente muito as subjugou como era de costume para os padrões da época, já que até a Bíblia é machista – as mulheres superaram certos maldosos sorrisinhos marotos... aqueles, dados bem no cantinho da boca... pelos que torciam contra o seu sucesso, e partiram para a superação de si mesmas saindo da obscuridade, embora sofrendo, desde os primórdios, as conseqüências da inadequação de um mercado de trabalho machista por excelência – repleto de maneirismos.
As mulheres já não aceitam mais viver no anonimato, se assim não for de sua vontade. Inteligentes, perceptivas, educadas e obcecadas pelo trabalho e pela organização, felizmente, deixaram de estar circunscritas a determinadas áreas, não se contentando em ser apenas um rosto angular a enfeitar escrivaninhas, estudaram e, sobejamente, mesmo sob as condições mais adversas, partiram para assumir altos postos de trabalho. E, quando não, estão lutando para isto, muitas vezes, até dentro de suas próprias casas. Em contrapartida, num gesto de solidariedade e de comprometimento com este novo personagem que está se consolidando na história do mercado de trabalho, atualmente, muitos homens conscientes deixaram a pá carregadeira, o terno e a gravata de lado, e aprenderam com a humildade da mulher a lavar, passar, cozinhar e trocar fraldas de bebês, revezando com elas o trabalho e a ternura nas horas de folga, provando, sem machismos, que as incumbências do lar, não são esferas de privilégio e de responsabilidade exclusivas apenas da ala feminina, tentando conjuntamente preencher um vácuo que ficou no lar..., um vazio que tanto mal tem feito à formação dos nossos filhos e à manutenção das nossas tradições que estão se perdendo...
...Mas, fechando este parêntese sobre o atual papel da mulher na sociedade e voltando as bancárias em si, em plena exaltação verbal, como diria esbaforida em última instância, uma remanescente funcionária pública orgulhosa num embate discursivo a negar que a culpa desta crise de deselegância das bancárias seja atribuída ao dinheiro escasso, diria ela que o vilão dessa ausência de luxo, além de ser a pressa, que aboliu os taillerszinhos bem cortados, que requeriam provas e mais provas na costureira, é a violência que inviabilizou covardemente o uso indiscriminado dos reluzentes em pleno luz do dia, mimos antes escancarados a céu aberto...
...Não dá para manter aquele eterno olhar de criança sobre as coisas... Portanto, devo, por bem do bom senso, ser menos criteriosa com as gerações atuais, e abandonar aquela referência de luxo e de beleza herdados das minhas conterrâneas do passado. Afinal, era o delas um deslumbramento sem cabimento, visto que, apesar de lidarem com empresários, também lidavam com pessoas humildes, como o meu pai, que configuram, ainda hoje, a grande maioria da população brasileira.
Ainda com relação ao cessamento do desfile das vaidades, fechando um antigo círculo de deslumbramento da classe média, cá embaixo, no olho do furação, o povo, com sua visão paroquial de mundo, ressente-se com o elitismo tamanho, com tanta exposição de poder; apesar de os servidores passarem por rigorosos concursos e estarem empregados por mérito próprio, a plebe não deixa de ter razão em ressentir-se, sem comiseração, pois é ela própria quem paga, a duras penas, o gordo salário do funcionalismo que, além de gozar de estabilidade, consegue diferenciar-se da maioria dos cidadãos até na hora da morte com suas aposentadorias integrais. Mas que, por outro lado, estes apenas servem-se legitimamente das leis feitas por seus compatriotas, nada devendo em si de concreto à população.
Se mamãe não morasse tão longe, popularesca em seu ditado insensato, colocar-nos-ia uma propícia frase sobre este assunto que me repetiu por toda a infância na ocasião em que me via em lágrimas pelo fato de uma prima ter-me tomado um brinquedo: por estes lados tropicais, “quem pode mais, chora menos”! Porém não nos esqueçamos de que, no nosso tempo, as leis, os estatutos... são eles feitos pelos homens... e dói pensar que, ao criá-los e promulgá-los, agem de modo tão desigual; assim como é incompreensível o fato de criarem leis para serem seguidas com unanimidade, e desobedecer a elas em seguida, numa seqüência viciosa de criar e burlar..., quando do interesse próprio, enquanto é sabidamente por todos que os pobres são chamados a comparecer religiosamente com os seus impostos devidamente quitados, faça chuva ou faça sol.
Mas, voltando à questão central do Banco do Brasil, embora as coisas muito tenham mudado por lá, e quem ali trabalhe tenha adquirido com o tempo um ar mais humilde, mais modesto e mais solícito, às vezes, ainda surge aquela sensação de arrogância por parte da instituição. Estes dias, por exemplo, fui a um posto do banco localizado num bairro de Uberlândia para tirar uma xérox. E, enquanto aguardava a impressão, fiquei observando duas senhoras idosas que entraram ali e não conseguiam se comunicar de pronto com o caixa que tirava as cópias, devido a um antipático vidro fumê. Elas chegaram, olharam, olharam e concluíram que o banco só podia estar fechado... (isto porque se tratava de uma agência de Banco Popular do Brasil). E como a ajudante do caixa, com ares e modos de garota call center (que nem sorria, nem usava jóias e nem laquê), parecia muito ocupada para esclarecer-lhes algo, tratei logo de avisá-las de que o banco estava aberto sim, e que deveriam dialogar pelo orifício do vidro.
Ora, tal como eu, elas o fizeram com muita dificuldade, pois mal conseguiam ouvir o que o atendente dizia. A mais jovem, a interlocutora, às vezes, inclinava-se virando-se e colocando o ouvido no círculo... quando não, ficava na ponta dos pés para tentar falar sobre o vidro...
Francamente, é horrível deixar-se ser vista sem reservas, sem, no entanto, não poder ver o que se passa do outro lado do balcão. Quando isso acontece, você se sente invadida por uma sensação de limitação, de desigualdade, de impotência, mesmo, o que não deixa de causar indignação. ...Puxa vida, até num banco do povo!...
Foi uma situação constrangedora. ...E quebrando a regra do brasileiro que nunca reclama de nada para parecer fino ou por achar que não vale a pena, assim que elas saíram, questionei duramente o caixa a respeito da razão da falta de visibilidade para quem está na desvantajosa posição do lado de fora.
Felizmente, nem tudo estava perdido. Se antes, por segurança, ou para protegê-los do sol, depois, coincidência ou não, o bom senso da instituição prevaleceu. O rei, às vezes também perde a majestade: uma semana depois passei por lá de novo e o vidro da discórdia havia tomado chá de sumiço. “Foram-se os anéis, ficaram os dedos.”

VERA FORNACIARI

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