O SENADO E O CORAÇÃO DE BOI
Todos os anos, quando as vitrines ficam muito enfeitadas, lembrando-me que já é Natal, sou tomada por uma súbita melancolia. Não é porque as lojas ficam cheias de mercadorias e de gente, porque elas tocam aquelas sentimentais músicas natalinas, fazendo-me lembrar da minha família que mora longe.
Fico triste porque, nessa época, sempre me recordo daquela senhora, que, às vésperas do Natal, não tendo o que pôr à mesa, entrou naquele açougue pedindo por um coração de boi (no interior, onde muitos estabelecimentos ainda compram o tradicional “boi em pé, no olho,” longe das invenções exóticas dos grandes “chefs,” o coração de boi é uma opção desprezível, tanto, que, às vezes, não conseguindo livrar-se dele, os açougueiros usam-no para fazer lingüiça, por ser considerado duro e fibroso).
Aquela pobre senhora poderia ter pedido qualquer parte do boi, ah, mas um coração de boi, não! Um coração, com sua conhecida múltipla função, sempre comove... machucando a consciência da gente que é mãe, que conhece muito bem os desejos e sonhos dos nossos filhos voluntariosos!
O coração lembra aquela parte sensível do nosso corpo, tanto no sentido vital da vida, que é a da função de bombear o nosso sangue, quanto a de simbolizar subjetivamente os nossos sentimentos mais profundos. Por isso, foi doloroso imaginar a figura humilde, em casa pobre, partindo o coração e colocando-o para cozinhar na panela de pressão para amolecer, com todos os condimentos.
Sentimental, diante dos fatos novos que surgem no dia-a-dia, volta e meia, sou acometida por lembranças que me remetem à crueza do episódio do coração de boi. Esses dias mesmo, embora ainda não estejamos em plena véspera festiva, senti-me remexida com o artigo realista do Ruy Castro, cronista do Jornal Folha de São Paulo, no qual ele fez uma analogia dos homens encapuzados, que roubaram uma transportadora de valores, com a performance dos senadores que, protegidos pela lei, puderam votar igualmente escondidos atrás do toco, no novelístico episódio Renan Calheiros, livrando, dessa maneira, as suas próprias caras, para que os eleitores não pudessem dar nome aos bois, ao absolvê-lo. E, para finalizar o artigo com chave de ouro, Ruy comparou ainda o montante da “bolada” que envolveu ambas as “operações.”
É por demonstrações deprimentes como essas, que os miseráveis do nosso país continuam a passar fome, recorrendo, em datas extremas, ao modesto coração de boi, quando podem pagá-lo...
Mas, Senhores, eu, com o meu faro aguçado de mulher interiorana, trago-lhes notícias fresquinhas do sertão: Suas Excelências se enganaram. Aos poucos, com a democratização da mídia, o povo está aprendendo muito bem a enxergar quem é que está ficando com o dinheiro do seu tão sonhado peru natalino. Aliás, esta não é a primeira vez que o povo conhecera a face da violência imposta contra si mesmo. Para ficar apenas em um exemplo, de quatro em quatro anos, pelo menos, ele se sente seguramente violentado pela afronta à sua liberdade, representada pela coação do voto obrigatório que tem apenas um único propósito: levar a ignorância da pobreza às urnas, para que os abutres sejam favorecidos por ela. Nem que para isso seja necessário usar a truculência, valendo-se de fedorentos caminhões de bois para transportá-los naquela hora decisiva da onça beber água...
Fico pensando cá com meus botões: será que essa gente que rói e que articula nas sombras não tem medo do amanhã, daquele frio na espinha que dizem dar na hora da morte, momento crucial no qual você sabe que não poderá levar daqui nem a aliança que, às vezes, há anos mantém no dedo...? Oportunidade na qual você repensa toda a sua vida e não sabe o que tem do outro lado esperando por você, e olha para trás de si mesmo e tudo o que vê é um passado de omissão, de favorecimento pessoal e de burlação às leis, quando teve a oportunidade de escrever uma história de vida cheia de orgulho e de admiração, com resultados positivos para a nação que se perpetuariam para além dos horizontes dos seus filhos e netos? A rotina do nosso congresso me responde prontamente que não. A maioria dos nossos parlamentares se acham acima da lei, inclusive da divina.
Não é à toa que, metaforicamente falando, em toda boa piada sobre políticos, o cenário no qual eles se encontram é invariavelmente sempre o mesmo: o inferno.
Pelo jeito, além de pouco se importar com coisas mais profundas, essa gente, que tem o complexo de poder, nunca terá noção ainda do que realmente significa para uma mãe pôr à mesa rodeada de boquinhas famintas na noite do natal, apenas um coração de boi partido em quatro, sobre uma folha de bananeira, porque a maioria dela nunca sofreu. E quem já muito sofreu, pelo jeito, de tudo já se esqueceu, porque agora mudou de lado, e junto com a elite confabula em causa própria, pouco se importando se as crianças comem coração de boi, seios humanos cozidos ou palmas.
...E viva a CPMF!
VERA FORNACIARI
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
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4 comentários:
Verinha.
Muito bom termos esse espaço. Nós que gostamos da boa leitura e de informações, chegou na hora certa.
Legal também porque mato um pouco da saudade que sinto dos amigos e de Uberlândia, essa terra mineira que aprendi a amar.
Mas é vida que segue.
Parabéns e agradeço também ao site Megaminas pela iniciativa.
Beijos,
Neumar
Vera
Parabens pelo blog,para pessoas que como eu adoram uma boa leitura estamos no lugar certo,adoro poemas,farei questão de divulgar seu blog para os amigos.
Que Papai do Céu continue iluminando cada dia mas suas mente e mãos para que possamos também nos beneficiar com este seu DOM!!
BJUssss
Fàtima
Obrigado por Blog intiresny
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