quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O germinar das palavras

DEDICATÓRIA

Dedico este texto a todos os que têm vontade de escrever, mas acham que não sabem fazê-lo. Sabem sim. É só soltar a mente, devagarinho, começar a ouvir o que o coração tem a dizer e não reprimir as idéias com pensamentos negativos ou se auto-censurar: a princípio, todas as idéias são boas, e devem ser ouvidas, consultadas pelo seu bom senso, e, anotadas.
No seletivo processo de criação, umas idéias florescem, outras, não. Tudo depende da confiança que depositamos nelas, e do grau de importância que atribuímos a elas dentro do cenário em que queremos inseri-las. Sem confiança, as palavras não vingam... perdendo a mágica de comunicar.
Porém, para poder escrever um texto razoavelmente bom, além de a princípio não desprezar nenhuma idéia que lhe venha à cabeça, é preciso deixar a preguiça de lado, pois, com certeza, você terá de refazê-lo muitas vezes, até que ele fique perfeito, aos seus olhos. Estando pronto, mostre-o a alguém que entende mais do assunto. Esse alguém, se tiver o mínimo de profissionalismo, com certeza, irá lhe apontar as diretrizes a ser seguidas e fazer observações que podem ser positivas ou negativas (a crítica faz parte). Só assim, com esse empenho todo, o seu texto terá chance de trazer-lhe orgulho e de correr mundo.
Escrever demanda coragem em todos os sentidos. Vamos tentar?

O GERMINAR DAS PALAVRAS

Antes de nascer no papel, antes mesmo de nascer na mente, um texto nasce primeiro sempre no coração. É lá, nas profundezas do coração, que, tímido, ele nasce sequeiro. Porque, se o coração não pedir, o cérebro não irá obedecer-lhe. E, abortadas, as palavras murcharão.
Desde que se firmou como fiapo de vida, ao não ser repudiado, o texto começa a ser regado, aguado, como as margaridas brancas do jardim... Devotando-lhe confiança, ainda que fragmentado, alimentado - o texto começa a emergir em forma de palavras, de idéias soltas, e passa a ser trazido maneirinho... maneirinho das nossas profundezas para a superfície rasa da mente, como se fosse ele folhas levinhas de angico, que, frágeis, nas divagações, facilmente se desagregam com o vento.
Aceito, o texto lapidado em forma de idéias volúveis, prepara-se para germinar, depois de hibernar na mente. Porque, quando o ambiente é propício, tudo ao seu redor conspira a favor de uma vida em gestação. E então, oxigenadas, as palavras começam a ganhar forma. E numa bela manhã de sol, finalmente, o texto nasce.
Começa, a partir daí, uma grande batalha pela sobrevivência das palavras, parecida com aquela que acontece com a corrida dos espermatozóides: as idéias borbulham, arranjam-se e desarranjam-se expressões, períodos, frases, sinônimos, numa luta constante, donde, excêntricas, todas as palavras e todas as idéias querem sobreviver, prevalecendo umas sobre as outras, embora nos obriguemos sempre a ferir o orgulho da grande maioria delas. Porque, um bom texto, para poder firmar-se em sua categoria, precisa ser, no mínimo, coerente. Logo, tal como na lei da fecundação por vias normais, via de regra, só uma idéia vence como estrela guia: a principal. O resto vira coadjuvante ou fica guardado no baú para outra oportunidade
Um bom texto costuma ser muito seletivo e muito ordeiro! E obedecendo a toda essa seleção natural, então..., numa bela manhã, o texto brota.
Aberto o artista à criação, as idéias vêm em relances, e vêm em repentes, em golinhos de lampejos estabelecidos pela memória e pela inspiração, como se fossem luminosos relâmpagos, reflexos entre o claro e o escuro, entre o consciente e o inconsciente... E, depois de muita dedicação, quando menos se espera, numa bela manhã de sol, o texto brota, tomando conta do papel e de você, como se fosse um filho!
O texto, antes mero embrião, agora cresce, toma forma e ganha vida própria, depois de ser lido, relido, remexido e alterado dezenas de vezes. O texto anda, corre, vibra, mexendo com todo o sistema nervoso do seu criador que, apaixonado por ele, fica em perene estado de alerta, porque tem consciência de que o amor o põe cego. Impossibilitado de enxergar os próprios defeitos do seu discurso interior, prudente, o autor cai na tentação de mostrá-lo a alguém, obrigatoriamente, com maior rigor crítico. ...E, se esse alguém também se apaixonar pelo seu amontoado de escritos, imediatamente, o combinado de palavras sai das cercanias do escritório, passa pelo jarro de cristal da sala, ganha a rua e passa a povoar as idéias de outrem. Andejo, o bom texto “fica falado,” empoeira-se de tanto bater perna, corre mundo passando de boca em boca. Ele perturba, arrepia, aguça os sentidos provocando frenesi... O bom texto ganha status de gente, e até de personalidade, e tem o poder de provocar as mais diversas reações. Longe do efêmero, o bom texto não cai de moda e consegue transpor as barreiras do tempo, eternizando-se na mente de quem o lê.
Pessoas queridas: salvo o brilho da leitura pessoal feita pelo olhar de cada um conforme a sua visão de mundo, porque visão é dom de Deus, e nem tudo na mente é agricultável de entendimento e de explicação lógica -, é o tamanho da nossa persistência e do apego às nossas idéias que determinará que tipo de texto será o nosso, que tipo de escritor seremos nós. Cultura é importante. Diploma acadêmico, necessário. Talento é imprescindível. Porém, sem empenho, os três quesitos acima perdem o devido valor. Porque um bom texto se faz principalmente com dedicação. E dedicação inclui desde refazê-lo inúmeras vezes a ler muito. Ao estar brincando com as palavras, quando você ponderar que o seu texto já está bom, refaça-o mais umas cem vezes... e quando você julgar que já leu muito, leia mais, muito mais. Mais ainda. Devore montanhas de livros como se eles fossem apetitosos pudins de leite condensado...!
Seja movidos pela necessidade, ou pela própria vontade de escrever, atentemo-nos sempre aos princípios básicos. Mas não sejamos escravos das regras a ponto de deixar que elas influam na qualidade criativa do nosso trabalho, agindo como agentes podadores: mergulhadas em verborragias, palavras boas podem virar um insuportável pântano catinguento. E, diferentemente a isto, longe de excessos, às vezes, um texto gigante pode ser formado apenas de uma só palavra. ...No entanto, há textos verborrágicos maravilhosos, e textos sintéticos que tudo dizem, e textos politicamente corretos do ponto de vista da coesão, da gramática e da ortografia que são uma verdadeira droga! E vice e versa! Embora essa questão de fazer ou não algo que se propõe a executar com perfeição esteja muito relacionada com a questão dos dons atribuídos a cada um – considero encorajador e verdadeiro afirmar que todos nós podemos escrever excelentes textos. O importante é dar o melhor de si. Afinal, quem foi mesmo o alienado que disse que somos obrigados a ser bons em tudo?
Quando se trata de sentir a hora certa de continuar exaustivamente a remexer no que escrevo, no meu caso, na minha tosca oficina particular, é quando, entusiasmada, já sinto vontade de colocar o meu nome embaixo dele, julgando-o já inteiramente concebido.
É nessa exata hora, em que já prevalece a minha percepção sobre o todo, mas que, se encontram ainda muitos pontos mal iluminados sobre o que escrevi, que procuro acender a luz vermelha do alerta sobre os pequenos detalhes. Atentar-se ao bom senso sem cair nas armadilhas da lassidão do ócio é uma forma de não pecar com o perigoso comodismo. Julgando o meu texto acabado, é chegado o momento de percorrer exaustivamente todo o trajeto da sua formação, verificando com cuidado se a minha inspiração e a minha transpiração realmente já se esgotaram. Não raras vezes, depois de assinar o meu nome precipitadamente num trabalho, eu ainda o remexo dúzias e dúzias de vezes.
...Se, por acaso, fossem indagados sobre o assunto em questão, que trata o tema central deste texto - estratégicos e interesseiros-, o Marketing e a Publicidade, respectivamente, nos passariam o sermão de que devemos ser perfeccionistas ao extremo quando se trata de confeccionar textos. Afinal, devemos fazer tudo para agradar em primeiro, aquele que será, quem sabe, o nosso futuro “cliente” potencial. Mas como sou da pá virada, eu diria apenas que devemos procurar fazer tudo perfeito para encantar primeiramente a nós mesmos, pois um texto que não consegue encantar a si próprio, não é digno de encantar a mais ninguém!

VERA FORNACIARI

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

O SENADO E O CORAÇÃO DE BOI

O SENADO E O CORAÇÃO DE BOI

Todos os anos, quando as vitrines ficam muito enfeitadas, lembrando-me que já é Natal, sou tomada por uma súbita melancolia. Não é porque as lojas ficam cheias de mercadorias e de gente, porque elas tocam aquelas sentimentais músicas natalinas, fazendo-me lembrar da minha família que mora longe.
Fico triste porque, nessa época, sempre me recordo daquela senhora, que, às vésperas do Natal, não tendo o que pôr à mesa, entrou naquele açougue pedindo por um coração de boi (no interior, onde muitos estabelecimentos ainda compram o tradicional “boi em pé, no olho,” longe das invenções exóticas dos grandes “chefs,” o coração de boi é uma opção desprezível, tanto, que, às vezes, não conseguindo livrar-se dele, os açougueiros usam-no para fazer lingüiça, por ser considerado duro e fibroso).
Aquela pobre senhora poderia ter pedido qualquer parte do boi, ah, mas um coração de boi, não! Um coração, com sua conhecida múltipla função, sempre comove... machucando a consciência da gente que é mãe, que conhece muito bem os desejos e sonhos dos nossos filhos voluntariosos!
O coração lembra aquela parte sensível do nosso corpo, tanto no sentido vital da vida, que é a da função de bombear o nosso sangue, quanto a de simbolizar subjetivamente os nossos sentimentos mais profundos. Por isso, foi doloroso imaginar a figura humilde, em casa pobre, partindo o coração e colocando-o para cozinhar na panela de pressão para amolecer, com todos os condimentos.
Sentimental, diante dos fatos novos que surgem no dia-a-dia, volta e meia, sou acometida por lembranças que me remetem à crueza do episódio do coração de boi. Esses dias mesmo, embora ainda não estejamos em plena véspera festiva, senti-me remexida com o artigo realista do Ruy Castro, cronista do Jornal Folha de São Paulo, no qual ele fez uma analogia dos homens encapuzados, que roubaram uma transportadora de valores, com a performance dos senadores que, protegidos pela lei, puderam votar igualmente escondidos atrás do toco, no novelístico episódio Renan Calheiros, livrando, dessa maneira, as suas próprias caras, para que os eleitores não pudessem dar nome aos bois, ao absolvê-lo. E, para finalizar o artigo com chave de ouro, Ruy comparou ainda o montante da “bolada” que envolveu ambas as “operações.”
É por demonstrações deprimentes como essas, que os miseráveis do nosso país continuam a passar fome, recorrendo, em datas extremas, ao modesto coração de boi, quando podem pagá-lo...
Mas, Senhores, eu, com o meu faro aguçado de mulher interiorana, trago-lhes notícias fresquinhas do sertão: Suas Excelências se enganaram. Aos poucos, com a democratização da mídia, o povo está aprendendo muito bem a enxergar quem é que está ficando com o dinheiro do seu tão sonhado peru natalino. Aliás, esta não é a primeira vez que o povo conhecera a face da violência imposta contra si mesmo. Para ficar apenas em um exemplo, de quatro em quatro anos, pelo menos, ele se sente seguramente violentado pela afronta à sua liberdade, representada pela coação do voto obrigatório que tem apenas um único propósito: levar a ignorância da pobreza às urnas, para que os abutres sejam favorecidos por ela. Nem que para isso seja necessário usar a truculência, valendo-se de fedorentos caminhões de bois para transportá-los naquela hora decisiva da onça beber água...
Fico pensando cá com meus botões: será que essa gente que rói e que articula nas sombras não tem medo do amanhã, daquele frio na espinha que dizem dar na hora da morte, momento crucial no qual você sabe que não poderá levar daqui nem a aliança que, às vezes, há anos mantém no dedo...? Oportunidade na qual você repensa toda a sua vida e não sabe o que tem do outro lado esperando por você, e olha para trás de si mesmo e tudo o que vê é um passado de omissão, de favorecimento pessoal e de burlação às leis, quando teve a oportunidade de escrever uma história de vida cheia de orgulho e de admiração, com resultados positivos para a nação que se perpetuariam para além dos horizontes dos seus filhos e netos? A rotina do nosso congresso me responde prontamente que não. A maioria dos nossos parlamentares se acham acima da lei, inclusive da divina.
Não é à toa que, metaforicamente falando, em toda boa piada sobre políticos, o cenário no qual eles se encontram é invariavelmente sempre o mesmo: o inferno.
Pelo jeito, além de pouco se importar com coisas mais profundas, essa gente, que tem o complexo de poder, nunca terá noção ainda do que realmente significa para uma mãe pôr à mesa rodeada de boquinhas famintas na noite do natal, apenas um coração de boi partido em quatro, sobre uma folha de bananeira, porque a maioria dela nunca sofreu. E quem já muito sofreu, pelo jeito, de tudo já se esqueceu, porque agora mudou de lado, e junto com a elite confabula em causa própria, pouco se importando se as crianças comem coração de boi, seios humanos cozidos ou palmas.
...E viva a CPMF!

VERA FORNACIARI

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Amoras, cerejas, morangos, e... sapatos vermelhos

AMORAS, CEREJAS, MORANGOS, E... SAPATOS VERMELHOS...

Sou a poeta do tempo do escuro, das horas escorridas nas talhas, das velas, das sombras deixadas pelo vácuo da luz pouca das lamparinas... Poeta da meia luz, que tudo esconde querendo desbravar-se por trás das finas cortinas, das meias palavras, iguais às contidas nas meias pretas que se fingem transparentes.
Sou solidão de mausoléu com suas escadas longas, com suas tábuas rangentes, com suas pesadas e amplas janelas norte, que dão para lugar nenhum. Um ser de mausoléu, desconhecedora das tantas que há em mim mesma, quando se trata de saber lidar com esta dor...
Sou uma porta entreaberta, uma dúvida, uma inspiração matutina que só consegue se expor quando o cachorro ladra no quintal com medo do clarão da lua. Daquelas, que, embora espontânea - reservada da euforia das palavras expressas com a desenvoltura do malogro do exibicionismo, e que, mesmo sendo amante das palavras, quando realmente precisa expressá-las, esquece-as todas, olvidada. Sou uma poeta sem o juízo da oratória - que os frios advogados se ocupem dos calorosos discursos prontos, dos debates, do artificial explicar do sentido das palavras ao som dos holofotes, não eu! - visto que sou flor trêmula de jardim humilde.
Deixo a razão para os loucos, que tudo sabem. Deixo-as para os lúcidos caçadores de notícias perdigueiros que perseguem os desmentidos, o rastro da verdade farejada que, aos poucos, se empluma, para pulverizá-la com megafone. É para os donos da verdade, e, conseqüentemente, para os excêntricos donos das palavras, que deixo o meu legado discursivo, o poder do meu batom vermelho, a poda, o meu quinhão de confronto, visto que sou contra a desordem das palavras, das acareações, dos ânimos exaltados, dos alardes, das dissonâncias, das múltiplas versões. Deixemos que as palavras se entendam por si, por meio dos gestos. Porque os gestos falam bem mais do que as palavras. Não grite: sou a poeta da paz contida no silêncio. E um poeta não se explica, se sente.
Sei que, tão logo alguém emerja, gostam prontamente os curiosos de medir até que ponto vai o conhecimento de outrem, o seu potencial acadêmico, o seu brilho artístico, a extensão da sua leitura, o seu poder de lidar com a fala, com a magia das palavras, com os segredos dos verbetes, e com as suas próprias verdades e mentiras. Mas é pesaroso para um poeta explicar-se, visto que ele próprio passa a vida se conhecendo. Deixo a glória da discursiva para os loucos. Não para mim, pobre criança que pouco sei de mim.
Sou a poeta do tempo antigo, do rosa envelhecido, do escuro, da carta perfumada escrita à luz de velas, da pétala de flor esquecida dentro do envelope. Sou a poeta do relento, da trempe, da chama que crepita na noite, da premonição contida no pio da coruja na cumeeira. Sou a poeta mensageira do romance, dos desejos recônditos, dos sonhos etéreos, da taça de vinho que, derramada, vasa. Mas sou também solidão e angústia quando o amor não está... E é por isso que, volta e meia, uso vestidos vermelhos... para encantar as estrelas.
Tudo tão suscetível, um pouco adiante do córrego do meio, próximo ao rio das almas onde moram os sentimentos mais profundos que entraram para nunca mais sair... Juntos, atravessamos o rio para nunca mais voltar: o que sempre esteve em mim, emergiu quando tudo ainda estava tão desfeito e, lamentavelmente, dissipou-se na sofreguidão da neve fria, devido à minha inaptidão à dor.
O bonde passou. A vida passou. As horas que fluem devagar. O áspero das “ruspiosas” urtigas que machucam. Ah, tanta coisa dói em mim! A minha segunda adolescência que floresce, a amarga incerteza do amanhã, o amor sepultado no silêncio, a distância que me separa do mundo, o desagrego, os meus passos paralisados que, incessantemente, querem me levar – a eterna menina que se perdeu no meio da nuvem de poeira sobre o carroção de bois.
Como invejo o tom das melancias, o sangue circunstancial das frutas que verte sem labor dos cítricos morangos, do vermelho tinto das cerejas, do borrado tingido das amoras! São todas nuances de um vermelho que fere as nossas bocas de mentira, enchendo-nos de fantasias. Ah, as fantasias, quebrando os paradigmas da acidez do amor com a doçura açucarada da ternura, trazendo-nos de volta a ilusão tragada.
...E é por isso que, volta e meia no “pomar...,” visto sapatos vermelhos..., para encantar passarinhos que moram dentro de mim mesma. Femininos..., inofensivos sapatos vermelhos..., vertidos das amoras..., dos morangos, das cerejas, que enchem a minha boca cítrica de beijos como se fossem uvas doces.
Sou um poeta nu, visto que um poeta indefeso não consegue mentir ao seu próprio coração. Um poeta sem discurso, sem retórica, sem platéia, sem oratória, sem berço – um poeta no prejuízo do silêncio delator, que vive invariavelmente do pensar das coisas que rumina, sendo que aqui, aqui dentro desta casa velha e triste que mora dentro de mim, somos sempre apenas eu e a insondável solidão dos mausoléus.

VERA FORNACIARI

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

UNIÃO ATACADO

O texto abaixo é o texto original que fiz para o União Atacado. Porém sofreu algumas modificações. O mesmo aconteceu com o roteiro: tudo conforme o gosto do
Cliente.






ATACADO UNIÃO

Toda empresa nasce de um sonho. E nem sempre este sonho é feito apenas de riqueza. Ao fundarmos uma empresa que segue a filosofia da simplicidade dos donos, em nossos ideais, também vai o espírito patriota de mudar a vida da nossa gente, com salários dignos, profissionalismo e amizade sincera.
Um belo sonho não tem preço... E foi movido por ele que encaramos e vencemos o desafio de percorrer os horizontes mais desabitados do Brasil, como o Estado do Piauí, o interior do Mato-Grosso e de Goiás, levando aos seus cantos mais distantes, serviços – não na simples condição de entregadores, mas, de provedores de esperanças.
É lá no meio daquela gente simples que mora no meio do nada, que está o coração da nossa empresa. É para lá que se dirigem os nossos esforços, os nossos ideais de cidadania, nunca nos importando se são pequenos ou grandes clientes. Mas sempre nos lembrando primeiro que são seres que muito precisam da qualidade dos nossos serviços que sempre chegam – faça chuva ou faça sol.
Mas, façamos justiça: para que o Brasil todo seja coberto pelos nossos serviços, tem muita gente trabalhando firme num trabalho sério e comprometido. E é graças à dedicação dessa gente que nós conseguimos ser o que somos. São mais de 1500 pessoas envolvidas no processo, que vai desde a venda da mercadoria e sua recepção - até a entrega no seu destino - num trabalho que envolve 800 representantes comerciais altamente capacitados para atender a mais de 50.000 clientes, e negociar os nossos 4000 produtos.
Aqui no União, lugar onde servir já virou um desafio pessoal – nós já entendemos que todos somos muito importantes para o sucesso da empresa, e para o progresso da nossa gente! Por isso, os nossos 230 caminhões não hesitam em rodar mais de um milhão de quilômetros quadrados todo mês, para atender aos 17 estados onde atua.
É por tudo isto que nós não somos apenas mais uma. Nós não somos apenas uma simples força de vendas que tira pedido e entrega. Nós somos, sim, uma empresa que trabalha com a força da alma - aquela, que ganhou a credibilidade e o respeito do Brasil inteiro e que virou o orgulho do cerrado e dos seus funcionários.
Nós do união somos uma grande força. Não a força bruta que oprime, sufoca e esmaga. Mas, a força da união que transforma, enlaça, conquista e vence...!


União atacado: Desbravando horizontes!

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Folia de Reis 2

Folia de Reis 1

SOBRE FOLIA DE REIS

SOBRE FOLIA DE REIS:

Para efetuar este trabalho ao qual me propus para a Rede integração de televisão, afiliada da Rede Globo em Uberlândia, Estado de Minas Gerais, andei lendo várias teses de mestrado sobre o tema, a fim de ficar a par de um assunto tão relevante quanto o é a Folia de Reis. E percebi que, dentre outras, havia uma constante queixa dos autores sobre a fugacidade da sociedade atual, no tocante à interferência no ritmo das músicas de Reis, que, volta e meia, os modifica dando às velhas canções uma roupagem mais atual com a constante mudança dos seus ritmos, o que põe em risco a originalidade dos ritos da festa. Em uma das passagens, li a seguinte observação: “Apenas as letras permanecem. A toada mudou.”
O profundo desapego da sociedade moderna preocupa. Com a existência tão banalizada, ela vê tudo com um olhar efêmero, passageiro.
Ora, se, por um lado, ritmos mais dinâmicos trazem a Folia de Reis para um patamar mais atual, no qual ela possa ser vivenciada aos moldes e aos gostos de tempos mais contemporâneos –, por outro, eles abalam a originalidade da tradição, visto que as constantes modificações descaracterizam a festa, a ponto dos mais jovens cumprirem a trajetória de suas vidas de uma ponta a outra, sem ao menos, no entanto, ter conhecido a verdadeira fundamentação da festa religiosa, as cantorias em seus ritmos originais, seja na caminhada com a bandeira à frente, seja em torno do presépio na louvação. Daí, insistirmos tanto em nossos vídeos sobre a preservação das músicas em seus ritmos originais. Porque nem tudo nesta vida nasceu para ser progredido, modificado.
Outro ponto muito ressaltado por todas as biografias lidas é sobre os preocupantes números advindos do êxodo rural. A saída do sertanejo do campo, que migrou para a cidade, representa uma grande perda para a tradição da Folia de Reis, que já duras séculos por aqui. Com essa forte tendência, nota-se que o campo esvaziado ficou desarticulado, e as nossas raízes estão se perdendo, porque os foliões que migraram para a cidade em busca de melhores condições de vida levaram as tradições consigo. E os poucos que ficaram, ou se fecharam no isolamento pela distância entre uma casa e outra, ou pela violência que também já chegou ao campo, ou ainda porque, simplesmente, o seu tempo já venceu aqui na terra.
Eu, por exemplo, que vivi a minha infância no campo, na década de 1960, lembro-me como se fosse hoje, quanta gente se avizinhava do nosso sítio... os carreadores eram animados, havia muita gente nas casas, as famílias eram grandes e ouviam rádio. Com a chegada da televisão, as pessoas se enclausuraram em seus lares, paralisadas frente à tela; os vizinhos pararam de se visitar; quando não, agendavam novenas e missas para antes ou depois das novelas. Isso é lastimável do ponto de vista social e familiar, pois esta falta de socialização elimina o forte sentimento de vizinhança, no qual um vivia para o outro, os fortes laços de família que se engendram em torno da união de parentesco e da cordialidade comum a todos. E foi por tudo isto e pensando nisto tudo, que a Rede Integração fez questão de investir em um dos poucos eventos rurais que ainda existem na região de Uberlândia no tocante à Folia de Reis rural, para montar estes trabalhos que vocês verão a seguir. Ao longo destes dez anos maravilhosos vividos em terras mineiras, percorri muitas festas de Reis urbanas, que, embora lindas, deixavam dentro de mim um vazio, visto que eu sabia que elas já vinham desprovidas de originalidade, já que é sabido de longa data por todos que, no começo dos tempos, a Festa de Folia de Reis acontecia no meio do poeirão da roça... embaladas pelo cheiro das estrebarias e do café coado na hora.
Curiosa como sou das coisas da terra, fiz questão de ir ver pessoalmente como a festa ocorria. Fiquei maravilhada com a Folia de Reis na Mata dos Dias. Ela me lembrou aqueles casamentos antigos que movimentavam famílias e mais famílias quando eu era criança. Lá puder ver a fé e o desejo vivo dessa gente mística, que saiu de casa em casa o ano todo pedindo donativos a fim de manter a tradição da festa, doando o seu trabalho, movendo dezenas de pessoas, que montaram barracas, presépios naturais e muita comidaria, que gerou insondável comilança.
Na véspera do dia de reis, destampei por capricho e por curiosidade, uma por uma, dúzias de latas de vinte litros de doce de leite de vários tipos, de mamão, de goiaba, de banana, queijos... mesas compridas das tradicionais almôndegas que não podem faltar nessa festa rural... e outras tantas delícias da culinária mineira, que só de pensar enchem a minha boca d’água. Tudo isto vivido e presenciado em nome da tamanha fé que essa gente tem nos Santos Reis.

Hoje, como sabemos, o tempo da jornada que lembra as andanças que os santos reis fizeram, em sua viagem a Belém, já não está mais restrito à noite do Natal até o dia dos Santos Reis, ela acontece o ano todo, com exceção do período da quaresma. E os textos que fiz são sempre no sentido de reacender a chama da Folia de Reis Rural, com passagens como esta: “ com a bandeira sempre à frente, os foliões partem para a peregrinação das casas, alegrando os devotos da roça.” Quando, na realidade, sabemos que, em sua grande maioria, as festas hoje acontecem nas superficiais vias pavimentadas com hora marcada e com conversas que atrapalham a cantoria. E me marcou profundamente uma passagem que li e que, por isso, merece ser transcrita aqui para que sintamos a nossa responsabilidade perante as transformações do mundo: “o fato é que as grandes caminhadas de dias e noites pelas casas dos devotos se perderam. Hoje, elas acontecem na cidade, e com hora marcada.”
Outra coisa lamentável que não pude deixar de observar nos depoimentos é que, antigamente, quando a bandeira dos Santos Reis chegava a uma casa, na roça, a atitude do anfitrião era a de como se o próprio Jesus vivo no presépio estivesse ali chegado. Os devotos se emocionavam e choravam de alegria. Hoje, com o progresso, com a ida da Folia de Reis para a cidade, e, concomitantemente a isto, com a proliferação dos meios de comunicação, é muito comum a folia estar na sala e os outros membros da família estarem assistindo à televisão ou ouvindo som no quarto. Ato este considerado pelos mais velhos como muito desrespeitoso para com o presépio e com os Santos Reis. Detalhe que também não escapou à nossa abordagem televisiva, pois fizemos questão de fazer um vídeo e um texto especialmente levando em conta essa problemática para que as pessoas se conscientizem da importância da mudança de atitude.
Mostrando uma Folia de Reis tradicional da roça, procuramos, acima de tudo, despertar o saudosismo; despertar velhas lembranças, para que os fazendeiros rurais e urbanos sintam-se persuadidos a formar novos ternos de Folia de Reis rural, a fim de que levemos, para bem além das próximas gerações, essa belíssima tradição que, graças a Deus e ao seu abençoado povo mineiro, é muito forte no Estado de Minas Gerais.
...E todo o trabalho do departamento de programação da Rede integração, foi no sentido de resgatar a verdadeira folia de reis rural, tanto no áudio, quanto no vídeo! E o público tem nos mostrado com ações práticas do dia- a -dia, que todo o nosso esforço valeu a pena, que todo o nosso trabalho não foi em vão.

VERA FORNACIARI

Uberlândia, agosto de 2007.

O REI ÀS VEZES TAMBÉM PERDE A MAJESTADE

O REI ÀS VEZES TAMBÉM PERDE A MAJESTADE

Houve um tempo, já faz muito tempo... em que eu sempre entrava no Banco do Brasil acompanhada pelo meu pai, lá no Estado do Paraná, conduzida pelas suas grosseiras, mas ternas mãos de lavrador. Ele ia lá fazer “papagaios,” e eu ficava zanzando com os olhos, maravilhada, com aquela gente bem calçada e bem vestida que trabalhava naquele lugar lustrinho.
As minhas lembranças são hierarquizadas. Há, para mim, que primeiro vieram os homens... invariavelmente, engomados em suas camisas brancas de mangas longas e abotoaduras; depois, as mulheres produzidas, que sorriam sempre e usavam jóias: eram pedras verdes... e azuis... sobre o colo..., e brilhantes graúdos nos dedos..., e contas enormes de pérolas na pontinha das orelhas....
Eu sempre senti fascínio pelas pedras - daí a minha profunda percepção da presença delas onde quer que estejam, desde a infância. E foi por isso que ficaram tão cravadas nas minhas lembranças... como estrelas...
O tempo passou, e, como se sabe, o banco do Brasil já não tem mais o mesmo glamour daquele tempo..., trabalhar lá já não é mais garantia do mesmo status que até mesmo os que ocupavam os cargos mais subalternos tinham. E casar-se com um dos funcionários do banco já não é mais nem sombra de garantia de ter-se fisgado o melhor partido da cidade. Embora seja justo lembrar que o salário pago pela instituição ainda é seguramente superior ao salário que a maioria dos brasileiros ganha.
Hoje, as mulheres de diferentes estados que eu conheço que são funcionárias do banco (e eu conheço muitas, inclusive da Caixa Econômica) já não andam mais tão bem vestidas assim, parece que perderam um pouco daquela magia do olhar cintilante da minha infância...
Seguindo a uma tendência da globalização, houve uma padronização de gostos e de estilos; as bancárias deixaram de ser referência de elegância. Para a sorte de seus maridos, já não dormem mais de “bobis”; o penteado caiu de moda por bem do tempo escasso, e raramente usam jóias exuberantes, apelando, quase sempre, para o efeito artificial das vistosas bijuterias baratas que as imitam... Afinal, por mais que, num rompante, não se queira admitir, o poder aquisitivo da categoria também caiu; além disso, a mulher dedicada hoje tem bem menos tempo para si, o que a fez perder um pouco daquela... digamos... classe, daquele seu ar congênito de grãn-fina, no qual toda menina-moça vaidosa do meu tempo de mocinha se espelhava.
E hoje, tempo belicoso das razões maiores... no qual felizmente a elegância deixou de ser referência na justaposição para dar lugar à inteligência, há outro agravante que soa como uma ameaça para a vaidade e para a própria auto estima feminina: embora ganhe o seu próprio dinheiro, a mulher tem a responsabilidade de dividi-lo com as despesas da casa de igual para igual com o companheiro. E, numa cena não menos explícita de aplicação de poder, muitas que trabalham fora, fugindo da submissão, arbitrariamente, prestam contas do que ganham, centavo por centavo, ao marido, ressuscitando ridiculamente a palavra “mesada” advinda do seu próprio salário confiscado. Logo, trabalhar fora, para muitas mulheres, o que antigamente era visto como “luxo,” passou a ser quase que uma imposição, passando-lhes ao largo as palavras prazer e realização pessoal para virar pura questão de sobrevivência. ...E não raras vezes, no final do mês, sobra para ela menos do que sobrava da mesada suada do marido, quando na sorte de tê-lo justo.
Ainda há de se levar em conta que, sem tachá-la de se tratar de um ser anômalo.... anti-social... acomodado, ou de uma pobre perdedora..., nem toda mulher gosta de trabalhar fora... e ninguém nesta vida pode provar que a sensação de felicidade tão perseguida pelos terráqueos passe, obrigatoriamente, para todas pelo crivo da atividade extra-lar! ...Embora exista toda uma cultura... todo um discurso... errôneo e interesseiro atrás disso, no sentido de enaltecer as mulheres bem sucedidas em suas profissões e de simplesmente ignorar a mulher “do lar” que não aja assim, atribuindo-lhe, de forma velada, menos valor pelo fato de cuidar apenas da casa e dos filhos, como se isto fosse pouco, como se isso se tratasse de uma questão menor... e não merecesse o devido respeito por um século de dedicação. ...Como se o amor e a entrega jurados no casamento fizessem parte de algo ultrapassado. Como se tudo fizesse parte de um grande negócio. Inclusive o casamento, com suas rendas, seus espinhos e as agruras da maternidade.
Ora, colocando de lado, por um momento, todo aquele discurso idealista da liberalização da mulher, podemos afirmar veementemente que todos nós ocidentais, sem exceção, trabalhamos fora, matamo-nos para ganhar dinheiro, privamo-nos da presença dos nossos, enfartamos... se preciso for... por pura demanda do capitalismo que, cada vez mais, quer nos vender mercadorias... Somos induzidos a trabalhar mais para podermos comprar mais coisas. É elementar. É evidente. É ele, o capitalismo, quem nos atiça, quem nos aguça, quem nos faz enveredar enfeitiçados para os lados do caminho do poder. Foi ele próprio quem conspirou contra a mesmice... ensinando-nos a não nos conformarmos com o que temos, a nos espelharmos nos gananciosos que conseguem juntar mais em menos tempo, a deixarmos o que já é usado de lado, e comprar tudo novo, de novo,... sempre... sempre..., e construir pequenos ou grandes impérios para deixarmos para os nossos filhos... que continuarão com as nossas loucuras.
...E, para depois de tudo... estufados de dinheiro e de amor próprio... e com os sonhos enrugados feito maracujás maduros..., gastarmos fortunas no terapeuta para tentar compreender o tédio...; ...para tentarmos resolver os problemas criados com os nossos filhos...! E com os casamentos mal resolvidos. E com os nossos velhinhos solitários... E com a nossa própria solidão interior.
- Meninas, questionemo-nos: Deus, para que mais de sessenta vestidos no guarda-roupa, se vestimos apenas um de cada vez?????????
Quanto ao poderio masculino sobre o salário da mulher, estaria por acaso ele apenas se deslocando para outro foco? Estaria o machismo e a submissão, que andaram por longo tempo caminhando lado a lado, agora se redimensionado..., por acaso apenas mudando de nome e de foco, como uma metáfora dos tempos modernos? Espero que não. Não sou dada a aventar este assunto sobre “fiscalizar” e “controlar” a apropriação do salário feminino com profundidade. Mas, embora contra a minha vontade, é impossível ignorar a acomodação masculina sobre a renda da mulher que acontece hoje, principalmente nas classes mais baixas, local no qual ela acontece mais abertamente. O homem, confuso e inconformado com o sofrido golpe de falta de autoridade sobre a mulher devido a sua maior independência financeira, pressionado pela luz dos novos tempos, que, no início, se viu coagido a “deixá-la” trabalhar apenas para poder comprar as suas “coisinhas...” hoje, redimensionou todo o seu conceito de renda familiar, embora, sempre que possa, delega-lhe poder a conta-gotas...
Com a chegada dos filhos..., deixa o orgulho de lado e decreta que o dinheiro dela seja destinado a questões “ínfimas,” a seu ver, atribuindo-lhe como missão exclusiva a responsabilidade de dar o de vestir o de calçar e o de estudar aos filhos. E como nessa questão dois não viram um só, como pede o sacramento, se ela não o fizer, as crianças ficam sem..., já que ele considera supérfluas as necessidades que advêm dos filhos, diante da importância vital da comida e do peso do aluguel.
Assisto, diariamente, a esse filme, ouvindo as queixas das diversas funcionárias que passam pela minha casa. Mas não é intrigante como um gênero..., que até outro dia era mantido orgulhosamente pelo macho... (e ele fazia muita questão disto) e tanto se debateu para dizer-se livre, prestar contas a ele sobre tudo o que ganha com mudez, principalmente as mais “desprovidas de poder?” E não é igualmente intrigante ele apoderar-se do salário dela agora, ditando regras, redimensionando o seu uso, quando minimiza a sua importância? Não. Este procedimento é uma constante... é quase óbvio nas classes menos favorecidas, nas quais é, geralmente, a truculência que impera, como resultado da falta de diálogo, do respeito e, principalmente, da instrução.
Em pleno século XXI, isto de conduzir o relacionamento com mãos de ferro para fingir que manda na relação, lembra-me muito ainda a dominação masculina do século passado, quando ter sexo toda noite com o marido, sem ser questionada se queria ou não, soava ainda como uma forte “obrigação...,” ...Lembra-me quando o meu pai queria mandar até no destino da aposentadoria da minha mãe. ...Isto me lembra mais..., lembra-me quando aquelas que já eram mães na época da minha infância, afirmavam de cabeça baixa numa circunstância adversa: “Eu conheço o meu lugar.”
Estabeleçamos algo coerente: a mulher que não gosta de ser uma Maria valentona..., aquela, daquele tipo meigo que não quer impor-se a fórceps..., mas que, por um lado, deseja realmente a sua emancipação e, por outro, não possui um companheiro sensato que entenda que não se trata de uma competição... muito menos de uma conspiração..., que tudo o que ela quer é apenas ser amada, respeitada, compreendida e inclusive dividir o que ganha com sabedoria, olhando os dois lados para a mesma direção, ah, essa mulher precisa entender ainda uma última coisa. Enquanto ela não aceitar que estudar pra valer faz parte para se conseguir ter voz ativa na sociedade e o devido respeito profissional com um salário justo, não terá voz para arbitrar sobre a sua vida e, muitas vezes, nem para ser a verdadeira dona do ser corpo, como bem o disse a doutora Márcia Tiburi, filósofa da Faap, com relação a esta minha última colocação, discorrendo sobre a delicada questão do aborto um dia desses num jornal de circulação nacional: “Elas, em silêncio, agem como se não fossem donas e senhoras de seus corpos”. E, de fato, não o são enquanto continuam na velha economia da sedução, da prostituição, da maternidade, da vida doméstica, do voyeurismo do qual são a mercadoria.” E prosseguiu: “Que as decisões sobre os seus próprios corpos não pertençam às mulheres é uma contradição que poucas podem avaliar. Não ter voz significa não pertencer à política. “Na medida em que não participam nem percebem o quanto estão alienadas da conversa, as mulheres perpetuam a injustiça que as trouxe até aqui.”
Porque, concluindo o meu raciocínio, como já foi dito antes por Foucault, as relações são relações de poder, inclusive no casamento. Manda mais quem tem mais poder... E nem sempre o que tem mais bom senso... Logo...
Mas, prosseguindo em minhas abstrações, o foco da vida da mulher também mudou. Principalmente o das mulheres mais privilegiadas, que ganham mais, que não têm jornada dupla de trabalho... que são mais independentes e dão menos satisfações sobre a sua vida. Mas, se, por um lado, atualmente, essa mulher moderna tem outras prioridades e, diga-se de passagem, tem, a seu ver, coisas bem mais “nobres” para se preocupar, por outro, existe a questão desta histeria... Desta auto-exaltação... Desta tendência contemporânea de se levar tudo ao extremo, dum ponto ao outro. Pena. Manter uma certa dose de feminilidade, de controle afetuoso sobre o lar, de encanto sobre o casamento, e sobretudo o que diz respeito a ele, não desabona a inteligência e o valor de ninguém. Amar e dedicar-se aos seus, na medida certa, não diminui o valor da mulher. Pelo contrário, isto vem a enobrecê-la ainda mais! Lembremo-nos sempre de que, antes de sermos profissionais, somos mães. Somos esposas: não dá para simplesmente radicalizar, levar o feminismo a ferro e fogo, abandonar tudo em nome das nossas profissões. Deus nos fez insubstituíveis. De propósito, porque ele bem sabia que somos luz. E foi por isso que nos escolheu para parir e nos concedeu o olhar diferenciado da mãe.
Quero crer que, no tempo certo do amadurecimento, a mulher há de reencontrar na justa medida o equilíbrio do seu espaço entre a família e o trabalho como o merece, pois muito confio em sua capacidade de gerir as suas próprias contradições, já que a sua onipresença não é possível: somos limitadas. Somos humanas.
Mas, se, por um lado, essa mulher consciente do seu valor profissional que superou o medo de arriscar-se, perdeu a coroa de “rainha do lar” para virar guerreira, por outro, progrediu no sentido de não aceitar mais a infidelidade do outro como um mal sem remédio; as mais ousadas já não temem mais ficar no caritó...: casar-se já não é mais a razão maior de suas vidas. As mulheres felizes já não rimam mais amor com dor, e têm filhos muito bem resolvidos.
Soados os tambores de guerra da desmedida luta do dia-a-dia, a mulher, embora ainda tão explorada no mercado de trabalho e nas relações pessoais, já não se verga diante do caos, porque finalmente enxergou que é feita do mesmo material dos homens. E sendo de carne e osso, logo, errante e suscetível como todos os seres desta terra, está aprendendo a reencontrar a sua paz após gerações e gerações, remoendo-se em plena guerra interior.
Embora pela lógica seja de se supor que os vaporosos vestidos femininos em nada depõem contra a determinação da mulher até que se prove o contrário, práticas, as mulheres hoje enveredaram para os lados das calças compridas...
...Dizem-nas pressentidas... grasnadeiras – um mar de inquietude... Mas, desprestigiadas no passado, e muitas vezes vítimas da leviandade da língua masculina, que historicamente muito as subjugou como era de costume para os padrões da época, já que até a Bíblia é machista – as mulheres superaram certos maldosos sorrisinhos marotos... aqueles, dados bem no cantinho da boca... pelos que torciam contra o seu sucesso, e partiram para a superação de si mesmas saindo da obscuridade, embora sofrendo, desde os primórdios, as conseqüências da inadequação de um mercado de trabalho machista por excelência – repleto de maneirismos.
As mulheres já não aceitam mais viver no anonimato, se assim não for de sua vontade. Inteligentes, perceptivas, educadas e obcecadas pelo trabalho e pela organização, felizmente, deixaram de estar circunscritas a determinadas áreas, não se contentando em ser apenas um rosto angular a enfeitar escrivaninhas, estudaram e, sobejamente, mesmo sob as condições mais adversas, partiram para assumir altos postos de trabalho. E, quando não, estão lutando para isto, muitas vezes, até dentro de suas próprias casas. Em contrapartida, num gesto de solidariedade e de comprometimento com este novo personagem que está se consolidando na história do mercado de trabalho, atualmente, muitos homens conscientes deixaram a pá carregadeira, o terno e a gravata de lado, e aprenderam com a humildade da mulher a lavar, passar, cozinhar e trocar fraldas de bebês, revezando com elas o trabalho e a ternura nas horas de folga, provando, sem machismos, que as incumbências do lar, não são esferas de privilégio e de responsabilidade exclusivas apenas da ala feminina, tentando conjuntamente preencher um vácuo que ficou no lar..., um vazio que tanto mal tem feito à formação dos nossos filhos e à manutenção das nossas tradições que estão se perdendo...
...Mas, fechando este parêntese sobre o atual papel da mulher na sociedade e voltando as bancárias em si, em plena exaltação verbal, como diria esbaforida em última instância, uma remanescente funcionária pública orgulhosa num embate discursivo a negar que a culpa desta crise de deselegância das bancárias seja atribuída ao dinheiro escasso, diria ela que o vilão dessa ausência de luxo, além de ser a pressa, que aboliu os taillerszinhos bem cortados, que requeriam provas e mais provas na costureira, é a violência que inviabilizou covardemente o uso indiscriminado dos reluzentes em pleno luz do dia, mimos antes escancarados a céu aberto...
...Não dá para manter aquele eterno olhar de criança sobre as coisas... Portanto, devo, por bem do bom senso, ser menos criteriosa com as gerações atuais, e abandonar aquela referência de luxo e de beleza herdados das minhas conterrâneas do passado. Afinal, era o delas um deslumbramento sem cabimento, visto que, apesar de lidarem com empresários, também lidavam com pessoas humildes, como o meu pai, que configuram, ainda hoje, a grande maioria da população brasileira.
Ainda com relação ao cessamento do desfile das vaidades, fechando um antigo círculo de deslumbramento da classe média, cá embaixo, no olho do furação, o povo, com sua visão paroquial de mundo, ressente-se com o elitismo tamanho, com tanta exposição de poder; apesar de os servidores passarem por rigorosos concursos e estarem empregados por mérito próprio, a plebe não deixa de ter razão em ressentir-se, sem comiseração, pois é ela própria quem paga, a duras penas, o gordo salário do funcionalismo que, além de gozar de estabilidade, consegue diferenciar-se da maioria dos cidadãos até na hora da morte com suas aposentadorias integrais. Mas que, por outro lado, estes apenas servem-se legitimamente das leis feitas por seus compatriotas, nada devendo em si de concreto à população.
Se mamãe não morasse tão longe, popularesca em seu ditado insensato, colocar-nos-ia uma propícia frase sobre este assunto que me repetiu por toda a infância na ocasião em que me via em lágrimas pelo fato de uma prima ter-me tomado um brinquedo: por estes lados tropicais, “quem pode mais, chora menos”! Porém não nos esqueçamos de que, no nosso tempo, as leis, os estatutos... são eles feitos pelos homens... e dói pensar que, ao criá-los e promulgá-los, agem de modo tão desigual; assim como é incompreensível o fato de criarem leis para serem seguidas com unanimidade, e desobedecer a elas em seguida, numa seqüência viciosa de criar e burlar..., quando do interesse próprio, enquanto é sabidamente por todos que os pobres são chamados a comparecer religiosamente com os seus impostos devidamente quitados, faça chuva ou faça sol.
Mas, voltando à questão central do Banco do Brasil, embora as coisas muito tenham mudado por lá, e quem ali trabalhe tenha adquirido com o tempo um ar mais humilde, mais modesto e mais solícito, às vezes, ainda surge aquela sensação de arrogância por parte da instituição. Estes dias, por exemplo, fui a um posto do banco localizado num bairro de Uberlândia para tirar uma xérox. E, enquanto aguardava a impressão, fiquei observando duas senhoras idosas que entraram ali e não conseguiam se comunicar de pronto com o caixa que tirava as cópias, devido a um antipático vidro fumê. Elas chegaram, olharam, olharam e concluíram que o banco só podia estar fechado... (isto porque se tratava de uma agência de Banco Popular do Brasil). E como a ajudante do caixa, com ares e modos de garota call center (que nem sorria, nem usava jóias e nem laquê), parecia muito ocupada para esclarecer-lhes algo, tratei logo de avisá-las de que o banco estava aberto sim, e que deveriam dialogar pelo orifício do vidro.
Ora, tal como eu, elas o fizeram com muita dificuldade, pois mal conseguiam ouvir o que o atendente dizia. A mais jovem, a interlocutora, às vezes, inclinava-se virando-se e colocando o ouvido no círculo... quando não, ficava na ponta dos pés para tentar falar sobre o vidro...
Francamente, é horrível deixar-se ser vista sem reservas, sem, no entanto, não poder ver o que se passa do outro lado do balcão. Quando isso acontece, você se sente invadida por uma sensação de limitação, de desigualdade, de impotência, mesmo, o que não deixa de causar indignação. ...Puxa vida, até num banco do povo!...
Foi uma situação constrangedora. ...E quebrando a regra do brasileiro que nunca reclama de nada para parecer fino ou por achar que não vale a pena, assim que elas saíram, questionei duramente o caixa a respeito da razão da falta de visibilidade para quem está na desvantajosa posição do lado de fora.
Felizmente, nem tudo estava perdido. Se antes, por segurança, ou para protegê-los do sol, depois, coincidência ou não, o bom senso da instituição prevaleceu. O rei, às vezes também perde a majestade: uma semana depois passei por lá de novo e o vidro da discórdia havia tomado chá de sumiço. “Foram-se os anéis, ficaram os dedos.”

VERA FORNACIARI