terça-feira, 21 de agosto de 2007

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

ABRAÇO PARTIDO

SOBRE ABRAÇO PARTIDO:

Dentro deste mundo espesso, melancólico e cheio de nostalgias em que você entrará - agora sim -, cabe muito bem aquela impostação de voz da renomada escritora já citada neste blog, feita, desta vez, com recheio plausível, especialmente adaptado para a ocasião: quem nunca teve uma desavença familiar “que atire a primeira pedra.”
Em minhas crônicas, atrevo-me, quase sempre, a falar sobre assuntos que incomodam, que machucam, sobre aquelas coisas mais inconfessáveis que doem quando vêm à tona. Mas eu as encaro com naturalidade, visto que um escritor, para ser autêntico no que diz e no que faz, não pode fugir de si mesmo.
A diferença entre mim e a maioria das pessoas é que não enxergo barreiras para ser eu mesma vinte e quatro horas por dia, dizendo as coisas que realmente penso, enquanto a maioria esconde os seus dramas familiares debaixo do tapete com medo de expor-se, por querer parecer perfeita aos olhos de outrem.
Assunto mais delicado ainda, quando se trata de mãe, aquele ser inatingível que, caso a sua postura e a sua conduta são postas em questão, em última instância, ela está sempre certa, ela sempre tem razão, posto que, nos lares conservadores, já nasceu sagrada. Mas o amor, o carinho e o respeito que eu sinto pela minha, não podem impedir-me de expressar artisticamente sobre tudo o que ela representou para mim, positiva e negativamente, vivendo numa época e num lugarejo muito restrito e espiada pela afiada língua familiar.
No decorrer do texto, perceberemos que, às vezes, o que magoa uma criança é justamente aquilo que os pais jamais presumiriam como importante (o que não é muito diferente na vida adulta também, visto que os pais, por mais que neguem, têm as suas preferências por determinados filhos).
Há quase quarenta anos, por uma questão cultural, as mães sertanejas escondiam a sua gravidez dos seus filhos, pois tinham pudor de falar-lhes a respeito. E quando o filho caçula deparava-se com a surpresa, ouvindo o bebê a chorar no quarto após o parto, tinha um choque. O que nem sempre significava um choque ruim.
...Fiquei muito indecisa sobre aquele serzinho vivo, sobre aquela frágil bonequinha de carne que mal se mexia vestida de múmia devido às faixas, atrevidamente colocada por sobre o meu berço, que chegara sem avisar e que muito em breve se apossaria das tetas da minha mãe e da sua vida.
...Os paviozinhos acesos no óleo por sete dias para a criança ainda pagã não ser rondada pelo mal enquanto não fosse batizada... a maletinha da parteira, o aguardar ansioso na ampla cozinha de tábuas na casa da vovó por todos à espera da“novidade” – jamais sairão da minha memória.
Mamãe, a mulher que hoje há em mim, já conseguiu superar a mágoa do silêncio sobre a chegada da cegonha. Mas a criança rebelde que se sentiu abandonada, ainda não. Mamãe viaje comigo agora no nosso caloroso e apertado... Abraço Partido.


ABRAÇO PARTIDO

Lembra-te, mamãe, de quando eras só minha, e eu não precisava te dividir com as outras duas intrusas?
-Arredia em teu colo quente, fazendo manha de menina única, choramingando, te imitava no chiado ruminado nas contas do rosário beato, num pranto choroso que só você sabia interpretar, querida mamãe. ...Os teus cabelos macios por sobre os ombros, tua voz, tuas cantigas de ninar, todo o teu harmonioso conjunto de bem querer de mãe, cheirando a calmante de erva-cidreira, embalavam-me num sono profundo que eu ia lá longe ter com os anjos dos púlpitos..., para depois voltar mansinha de uma tarde de sono. E eu só despertava depois da chuva... quando já sacudias o berço para o banho e a papa.
Ainda me recordo como se fosse hoje, como ficavas nervosa quando perdias a mão do sal com o de comer dos camaradas, em pleno sol ardido de agosto, colheita adentro.
Lembra-te daquele nosso segredo, mamãe? Tal como te prometi, nunca o contarei. Só eu e Deus sabemos o quanto ficaste esquisita na cadeira esdrúxula do dentista, com o dentinho da frente quebrado, gesticulando em vão... num ah, ah... abafado.
...Tudo tão presente em minha mente, como o cheiro açucarado da laranja-da-terra fumegante sobre as brasas alaranjadas que lambiam a escuridão lá fora pelas frestas sem mata-juntas: ...Nho João, sinhá Tana, a casa pobre, os agregados, o teu costume feio de deixar o machado lascado no pé da soleira..., os ruminantes - no sol frio da tarde invernal, a “vasca” cheia de roupa suja de molho quase encoberta pelo pudor das ramas de chuchu, debruçadas.
À sorrelfa, vez em quando, dava-me palmadas para catequisar-me. Como era eu de miolinho leviano para o perigo, apartavas -me das facas, das enxadas afiadas, dos touros de chifres pontudos, das bravas galinhas chocas, das porcas paridas de novo, das perigosas cisternas que moravam nos fundos das casas. Quando não, dos pregos, das torporosas latas enferrujadas que traziam cortes que muito latejavam à noite e despertavam o sombrio medo do tétano.
Interesseira em obter atenção exclusiva, eu transformava tudo em causa própria. Transgressora natural das regras, sempre que podia, desobedecia-te. Gostava de medir o teu poder e a tua influência sobre as coisas, sobre os outros, e, principalmente, sobre mim mesma.
Aos domingos, dizias que tínhamos de cumprir uma missão: e, em comboio, sob o cajado patriarcal, lá íamos nós ensolarados em fila indiana pelos trilhozinhos... pelas estradas estreitas e primitivas. E eu, munida de meus vestidinhos bordados, ia lânguida, morosa, precoce e esguia, com uma mão atarracada em teu mindinho e com a outra segurando firme o tostão amarrado na ponta do lenço suado para a esmola; conscienciosa, prestava atenção aos ensinamentos.
A fé partilhada, os costumes passados de boca em boca, o nosso quase dialeto..., você penteando os meus cabelos embaraçados no roto sofá de tardinha... e eis que de chofre, da noite para o dia, sem ao menos ter tido o vislumbre da confidência, do derradeiro recurso do aviso prévio materno que tanto prepara o coraçãozinho infantil, a vicissitude de surgir, no mesmo velho berço que outrora fora meu, a “novidade”, aquela que definitivamente representaria o último lastro da minha infância...
De tanto ir e vir a parteira - carregada de filhos, tu não me davas trégua, mamãe... E como me purgasse a consciência abandonar-te, como bem o sabes - aos nove anos tornei-me a segunda mãe da minha irmã do meio, e aos dez, da caçula, não fugindo assim das leis da tradição familiar que me ceifou o colo e o tempo para brincar.
Depois de me sentir entregue à própria sorte, superada a odienta certeza do trono perdido, com o meu coração claramente posto à prova, as minhas irmãs se tornarem as minhas melhores amigas. Elas se tornaram, para mim, as ovelhinhas mais queridas deste mundo e amei-as profundamente com toda a força da minha existência.
Mas, mamãe, nossas almas não foram ofuscadas pela metáfora do mal do berço, pela cegonha, pela ingratidão daquele coração insensato, pelo serpenteamento de najas que volta e meia rondam a paz das relações, pelo ranço da usura; pois, sobre este último, bem se sabe da eterna sintonia que há entre mães e filhos, e da obsessão por acharem-se próximos, por tocarem-se com palavras e gestos, mesmo que pautados por uma existência de conflitos. Creio que também não pelas intrigas familiares: as mães já parem avisadas pelo o seu extinto, e pelas suas próprias mães, de que os seus sempre se digladiarão entre si, pois, além da grande diversidade de idéias que paira sobre cada cabeça e das particularidades inerentes a cada um, cada qual vê refletido no outro, o empecilho da imortalidade no coração da mãe, já que enxergam inconscientemente no irmão de sangue, o sonho narciso desfeito de ser único. E como não se perdoam mutuamente, tecem-se comentários ácidos a respeito uns dos outros, na ingênua esperança de parecer exclusivamente perfeitos aos olhos dela. E a mãe precisa munir-se de muita astúcia para não ser usada nas desavenças. Por isso, a mãe que realmente tem bom senso passa a vida exercitando o equilíbrio e a paciência, para agir com imparcialidade nas intrigas familiares, sem nunca dar completa razão a nenhuma das partes, embora, desde cedo, saiba muito bem quem geralmente a tenha. O que não deixa de frustrar os filhos, que, se vêem exclusivos nas virtudes, logo, querendo a mãe só para si.
Os filhos, às vezes, ficam entristecidos, desapontados pela falta de coragem e de enfrentamento por parte da mãe diante das feridas abertas pelos seus. Eles ficam decepcionados com a sua aparente omissão, com a sua ausência de posicionamento, pelo fato de ela não ter coragem de pôr o dedo na ferida dos que se prevalecem da fragilidade e da educação dos mais sensíveis, gritando mais alto, impondo a sua opinião à força com colocações ríspidas, visto que a palavra final da mãe serve justamente para deter os exageros dos insensatos que se consideram donos da verdade. E, muitas vezes, na intenção de não querer desavenças, a desunião familiar, de acalmar os ânimos, ela foge do diálogo urdido, encerrando-o entre as partes, permitindo, assim, que se crie uma ferida maior: a mágoa - quando tudo o que aquele que está se sentindo injustiçado esperava ouvir dela seria exatamente o contrário do silêncio.
Nós precisamos, almejamos, necessitamos ouvir o bater do martelo das nossas mães quando nos sentimos magoados, em franca desvantagem com relação aos nossos irmãos, porque possuímos sempre uma estúpida vontade de fazer justiça com as nossas próprias mãos. E, por ironia, nesses casos, enxergamos na figura da mãe uma extensão do nosso próprio corpo, uma leal advogada.
Quanto a nós, mamãe querida, tampouco fomos afastadas pelo tempo desgrenhado que corre veloz, pelos vãos dos nossos dedos esguios, pela distância que machuca e apaga as pegadas das lembranças, pelos teus limitados olhos de vidro que, hoje, tudo vêem, cautelosamente. Nós fomos, sim, separadas pelas palavras. Mas não pelas palavras duras pronunciadas, pelos espeloteamentos contidos nos gestos, pelas palavras nascidas do expressivo olhar subjetivo. Nós fomos separadas mais precisamente pelo silêncio das palavras, mamãe. A ausência de palavras... quando se faz urgente serem proferidas em favor de um coração aflito – doem mais do que o excesso de palavras estouvadas. A ausência de palavras... esta sim, representa o desamparo, a eterna e imperdoável solidão..., a verdadeira e profunda dor do abraço partido.

VERA FORNACIARI

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

GALO CAPÃO

A RESPEITO DO GALO CAPÃO, FAZ-SE NECESSÁRIO EXPLICAR QUE:

Bem, muitas pessoas já estão me questionando sobre parte daquela minha dedicatória às mães que têm seus filhos na tal fase do galo capão, citada na justificativa da minha crônica de Natal. Por isso, cabe-me esclarecer:
Já faz tempo... isto é lá da época dos tampeiros bordados a mão, mas o costume ainda sobrevive em algumas vivendas. Os antigos capavam o galo e punham-no chocar no galinheiro em jacás no lugar das galinhas. Este procedimento se justifica pelo fato de que o galo capado engorda muito, fazendo um “rodero” maior, cabendo, desta forma, debaixo de si, muito mais ovos (cerca de 20). A outra razão era que ele mostrava-se muito mais dedicado do que a própria galinha: capado, o pobre galo, que até há pouco reinava com macheza no galinheiro, se transformava no rei da proteção do terreiro, encarnando com perfeição o papel ditado pelo dócil instinto materno feminino. Quanto à alusão que fiz com relação à afinidade do galo capão com o “menino-home,” ela está ligada ao fato de que, quando se castra o galo, ele, às vezes, canta normal, e, às vezes, desafina, tal qual o faz o adolescente que ainda está se auto-afirmando na modulação da voz ao emitir os sons. Logo, referi-me obviamente à tumultuada fase de transição da adolescência para a maturidade, que é cheia de transtornos para os pais. Daí, a dedicatória muito original.
Vale lembrar que o galo capão dos mineiros vira galo estragado para os goianos: nem homem nem mulher - capão!
...Coisas maravilhosas do Brasil interiorano que, para divulgar, faço questão de usar este espaço, já que não pretendo fazer dele um palco de excentricidades, e muito menos uma extensão alienada do meu próprio corpo. Assim sendo, devo dizer que as diversidades são muito bem-vindas e que narrações de cunho regional vividas ou ouvidas por pais e avós por parte dos leitores são desejadas e esperadas por mim, e que elas só vêm a enriquecer o meu trabalho. Eu me interesso por tudo: desde aquelas receitas arcaicas narradas detalhadamente, que estão desaparecendo das nossas tradicionais cozinhas, ao modo como as pessoas viviam ou ainda vivem nas fazendas e nas pequenas cidades do interior. Só assim a tradição resistirá à fugacidade dos tempos modernos. Modos, costumes, roupas, haveres, linguagem (neologismos, ditados, expressões), moradias, ferramentas, tudo faz parte de um rico patrimônio que precisa ser divulgado e conservado para as gerações futuras. Afinal, não é segredo para ninguém que sou apaixonada pela tradição mineira, e muito preocupada com a preservação da tradição do resto do Brasil também!


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CRÔNICA DE NATAL

JUSTIFICATIVA DA CRÔNICA DE NATAL:
Escolhi este tema e fiz este trabalho prazeroso seguindo uma sugestão do Mestre que não quis aparecer: julga-se muito importante para isso. E é. Paciência.
Sendo assim, a minha dedicatória vai a todo brasileiro que se sente ferido perante a tantas discrepâncias governamentais, a todas as mães que, como eu, têm o seu “menino-home” na fase do galo capão, e ao povo em geral, que está aí roendo tampa de penico, com os seus filhos estudando nas degradantes escolas públicas brasileiras, enquanto milhões são desviados a favor de poucos.
...Não me julguem: sou apartidária; não acredito em partidos, acredito em pessoas. E antes que me perguntem, não tenho a menor intenção de candidatar-me a nada. Quanto à pontinha de cinismo... esta fica por conta do estilo que herdei como legado do tal... Mestre.

CRÔNICA DE NATAL

A magia do Natal põe tudo em seu devido lugar – pelo menos por uns dias: as pessoas ficam dóceis, tão inclinadas a concordar...! As crianças clamam por presentes... As mulheres compram vestidos novos, preparam ceias, e o diabo do poder dá um tempo.
Ao contrário dos votos que eu me faço todo ano, para o ano que vem, a vã promessa de um ser “remodelado.” Com certeza, serei eu de novo na fita, sem óleo de peroba ou vaselina na cara, sem máscaras ou subterfúgios, fugindo da carapuça do marketing como o diabo foge da cruz: ... burro velho não aprende mais – reza o ditado do interiorzinho.
Diferentemente de outros tempos, hoje, na abordagem do capitalismo tardio, tudo gira em torno do marketing pessoal. E como fala aquele colunista da Folha de São Paulo, tudo vira “de plástico.” Sorrisos “de plástico”, favores “de plástico,” relações “de plástico.” E com o plástico tão em moda, a indústria da auto-ajuda encontra terreno propício para nos disseminar soluções milagrosas e meter a colher nas questões mais íntimas. Lembrando que, ao julgar, aconselhar ou criticar, quem o faz coloca-se automaticamente, numa posição de superioridade, de exemplo, de suposta vantagem... sobre o outro.
Mas, suscetível e volúvel como o ser humano é, será mesmo que alguém pode se considerar doutor em felicidade?
...Com a chegada do Natal, tem gente que não perde a oportunidade de querer nos transformar em vaquinhas de presépio...!
Saio deste ano (“de plástico”), quero dizer, velho, com a forte sensação de dever cumprido: não logrei meu patrão, o colesterol e o trigliceres estão em ordem... fui leal à minha esposa e aos meus amigos, já paguei promessa pros Santos Reis e consegui guardar algum. Saio com o orgulho de sempre levar para onde vou a força e a determinação do meu trabalho. Sim, porque gente como eu vive para o trabalho. O trabalho vira a razão maior. Sem ele, parece não haver identidade. Sem o trabalho, a gente broxa! E, às vezes, a gente broxa por causa do trabalho num trocadilho indigesto.
O trabalho e o nome limpo são as coisas mais valiosas para gente como eu: sem eles, não se consegue comprar a prazo.
...Ai que saudades da vidinha besta do interior... Eu não “faiava” numa domingueira, e galinha me acordava cedo cacarejando no quintal... Lá, eu não precisava passar pela dor de decidir entre viajar nas férias prá casa de um parente, ou colocar laje na minha casa. Lá, quando chovia, eu não trabalhava... “por mó di que” o mato e a terra embatumavam na enxada;... chegava a ser bonito tantão de homem bebericando na venda e jogando truco” adispois” da cesta...
Tudo alagado pela represa da hidrelétrica...
Mas saio deste ano velho cismando que há algo errado comigo. Sinto-me pequeno, indefeso, impotente e perplexo diante dos fatos que se levantam à frente dos meus olhos como uma constante arapuca: e vai em cima e vai embaixo...e quanto mais a mídia cavoca, mais podridão sai no enxadão... Nesta verdadeira crise de valores que estamos vivendo, já começo a colocar em dúvida se certos os ensinamentos do meu pai... A turma do RH diz que eu estou sofrendo de baixa-estima; talvez, depressão... Mas o meu problema já foi escancarado por Tiãozinho, amigo meu: “deixa de ser besta, sô... ocê é certinho demais... assim, não há quem arribe de vida!”
Veja bem: rezo pelos os que me invejam, fico corado quando minto, pago as minhas contas em dia... olha só que coisa infame: não consigo dever, tenho insônia! Isto é ridículo. Os ricos devem e acordam sem olheiras, não passam mal de gastrite por isso. Tem rico que faz coisa pior e nada lhe acontece, nada... E nós ainda lhes batemos continência, estendemos tapete vermelho. ...Nós, imitando a humilde figura bíblica de Lázaro, contentamo-nos com as migalhas que caem das mesas dos poderosos. Tanto tempo passado e ainda não evoluímos em nada na nossa atitude servil. ...Ah, meu Deus, é este maldito complexo de pequenez que acaba com a gente!
A chegada de mais um ano novo me faz lembrar que estou ficando velho, que meu marketing pessoal é fraco porque sou tímido - que meus cabelos estão brancos, que já estou sem paciência para reviravoltas tecnológicas e desmandos midiáticos. Olha só se não é para o caboclo direito perder a cabeça: a mesma mídia que me mantém informado, traz-me a toda hora um filho duma mãe tentando me dizer o que devo fazer da minha vida, onde devo enfiar meu dinheiro... numa continuação enviesada daquele discurso presepado!
Como resposta positiva ao interesseiro discurso capitalista, a mídia nos vende diariamente a fórmula do prazer máximo em todos os sentidos. E o resultado desta proeza é o que a gente vê por aí: seres infantilizados que não aceitam que nada fique para ser vivido no amanhã. Viramos os seres imediatistas do aqui e do agora.
Eu bem sei... hoje não é dia disso... estão todos em clima de festa, todos eufóricos e distraídos com a minha deselegância; todos desatinados com o meu indiscreto balanço de vida fora de hora, por isso, sinto-me à vontade para lhes confessar que sou um cara medíocre de frente e verso...: eu não consigo ser engraçado como os meus amigos... Eu não consigo encantar como aqueles que pensam pouco... Eu não tenho o charme dos irresponsáveis... que riem à toa! Eu não tenho a insanidade daqueles que jogam dinheiro dos outros fora... Daqueles que lavam a rampa com champagne francês... e, depois, num ímpeto de sanha, ali defecam maculando assim o que deveria ser sagrado, fazendo-a cair na descrença do povo que a tem como espelho.
É este excesso de dignidade que me atrapalha! Vou lhe ser franco de todo modo: a minha leitura pouca e a minha dignidade muita não me permitem a falsidade do beijo de Judas; o tascar no alheio. E é por isso que a essas alturas eu invejo a cara de pau de muitos parlamentares que roem; dos que confabulam nas sombras com os traseiros acomodados nas macias cadeiras de veludo. ...Eu sempre sonhei em ter seis cadeiras de veludo na sala, em dar escola boa para os meus filhos. Eu sempre sonhei em fazer uma grande compra em um supermercado, aquela de encher três carrinhos sem suar frio só de imaginar quanto iria custar. Sonhava em ir a um dentista pago antes de perder os meus dentes. Sonhava com um médico decente que desse conta de curar o mal que levou me pai. E hoje olho para os meus filhos e fico triste, porque eu não vejo também mudança significativa alguma para o futuro deles, ao observar o caos que virou a educação brasileira. Está tudo errado: lá, na escola em que eles estudam, há muitas obras clássicas que foram doadas, mas eles não são persuadidos a desbravá-las... A secretária de educação, a diretora, a professora, sei lá quem... prefere sempre adotar as de fácil compreensão, as “mais molinhas,” as mais engraçadas. Por isso, o poder de raciocínio e de coesão deles, na hora de se pronunciar, de produzir e de interpretar textos, já está bem menor do que os das gerações passadas.
O saber está raleando.
Admito: em muitos aspectos, os nossos filhos nos superaram, nos passaram a perna. A geração videoclipe sabe muito, mas é um saber fragmentado... embora viva num tempo de amplas possibilidades e consiga fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Lá, na escola dos meus filhos, também há computadores, não posso negar esta tentativa de democratização da tecnologia por parte do governo federal. O Lula tem sido bom neste ponto. Mas o que a “inclusão digital” tem acrescentado de real e objetivo para o aprendizado dos meus filhos? Nada. Porque, ao contrário de muitos países, aqui no Brasil, ainda não foram desenvolvidos conteúdos significativos para serem estudados no computador dentro da sala de aula. Desta forma, os meus filhos vêem o computador da escola mais como um lazer, como uma atividade extra-classe, uma válvula de escape para matar o tempo. Ainda quanto à contribuição positiva da era digital para a vida escolar, se abusar, os meus filhos continuam falando tão errado quanto o Jeca Tatu. Talvez até pior, porque agora eles dilaceram literalmente a língua portuguesa no bendito messenger nas lan houses diariamente. Os meus filhos são os analfabetos do computador. Eles só sabem copiar e colar. Não estão culturalmente preparados para se interessar, para compreender a importância do aprender, do pesquisar, do assimilar. Eles não estão preparados para investigar, para decidir, para arbitrar sobre o que é bom ou ruim, para separar o joio do trigo. Afinal, nem tudo o que brilha é ouro. Lá, onde os meus filhos estudam (que deve ser o mesmo lugar onde a maioria dos brasileiros pobres estudam ), como prova de total falta de diligência - eles não são suficientemente instruídos e estimulados pelos seus superiores de forma lúdica a usufruir das vantagens da máquina sem se deixarem cair nas armadilhas que lhes desviam a atenção, já que lhes falta maturidade. E como santo de casa não faz milagre – eu conto em vão com a possibilidade de aparecer alguém lúcido, com temperança suficiente para lhes explicar com didática, com amor e tolerância, com a divina vocação de quem nasceu para ensinar independente do valor do salário: “Ô, coraçãozinho... não é assim não, copiar sem ler e interpretar não vale não, viu!..., é zero! ...Assim como também é nota zero dar como suas, idéias que não lhes pertencem...” Desta forma, diante da negligência dos meus filhos, que dão Ctrl c e Ctrl v nos trabalhos escolares - na ausência desta total falta de atitude, de posicionamento e de coragem do mestre, que, por outro lado, também é diariamente cobrado pela escola camaleoa a não desagradar ao despotismo desta geração cibernética, que ameaça as instituições com a evasão escolar - a escola finge que ensina, e os meus filhos fingem que aprendem, numa prova cabal da consolidação da hipocrisia e... do desinteresse mútuo.
Diante desse ambiente desagregador, no qual a boa leitura é vista como algo desgastante e o computador é encarado nas escolas mais como uma diversão, nós, brasileiros, estamos sendo assolados por uma forte onda de conformismo em todas as instâncias; estamos nos habituando ao fracasso. Desta forma, está crescendo no país um novo tipo de “amarelão,”: trata-se daquele aluno improdutivo do ponto de vista intelectual, que sai da escola com diploma, mas sem entender ao menos por que lá entrou; Logo, sem perspectivas de futuro. Desta maneira, dá-se profeticamente a higienização unilateral da ignorância, que cumpre a sua meta de vencer o analfabetismo, apenas do ponto de vista estatístico. Conclusão: continuamos a amassar barro quando se trata de traçar estratégias para eliminarmos aquela doença que “astravanca o progresso.” ...E, pelo andar da carruagem, o pessoal do ministério da Educação vai continuar se perguntando por muito tempo: “oncotô..., proncovô...?” -O momento pede coragem. Portanto, admitam e repitam comigo: nós erramos.
Uai! então não são mais as crianças que representam o futuro de uma nação? Pela indiferença e pelo desprezo que lhe são atribuídos - no Brasil - pelo jeito, não! No Brasil, o saber lasseou.
Os meus filhos conhecem muito bem um mouse, mas, em contrapartida, não conhecem o cheiro de bosta de vaca. Conhecem fórmulas de matemática que dificilmente terão oportunidade de usar na vida prática, mas, em contrapartida, mal sabem expressar no papel os seus sentimentos mais primários, e ainda por cima escrevem paçarinho com...
...E é essa falta de contato com a realidade que me preocupa! É este desinteresse pelas origens das coisas que me tira o sono. O mesmo condutor de energia... o mesmo fio condutor que ligou a geração dos meus ancestrais tataravós à minha geração, e que agora tenta manter o mesmo elo com a geração dos meus filhos, está se descolando, perdendo contato, porque, neste tempo novo, tudo é movido e ligado por uma linha muito tênue... tudo começa e termina com muita facilidade. É tudo artificial, sem profundidade, raso, oco. Temo que a era do similar, do simultâneo, da interatividade, seja sinônimo da morte da nossa memória, a julgar pelo desinteresse que os meus filhos cultivam pelas coisas do passado, pela história do mundo e até pela nossa própria história de herança familiar, que inclui desde os preciosos cadernos de receitas que vinham com o enxoval da noiva..., álbuns de fotografias, toalhas bordadas à mão - aos bucólicos aparelhos de chá de porcelana. Com tanto desdém e com tantas facilidades à vista, não é à toa que os meus filhos achem que dinheiro dá em pé de tangerina...
-“Mamãe, fique fria: aquele papo da manga com leite já caiu...”
Se para o bem ou para o mal da humanidade, não cabe a mim julgar, mas a tecnologia (e com ela o computador e a internet), veio para ficar. Assim como na minha infância, em meados da década de 1960, o princípio das noites passadas nos terreirões de café, ao luar, namorando as estrelas, foi substituído repentinamente pela companhia da televisão com a chegada da energia elétrica, destituindo brutalmente o poder do rádio – hoje também as crianças modernas vêem-se diante de um novo paradigma. Para elas, para muitas crianças e adolescentes, menos revisitados pela consciência e pela presença dos pais, o computador (Leia-se: internet) veio substituir a infância de verdade, real, a vida alegre e ensolarada que há lá fora. Ele modificou a forma deles se relacionarem com a família, com as tarefas escolares, com o namoro e com os amigos. Com este último, hoje, muitas vezes, preferem fazê-lo à distância. Chegam ao cúmulo de conversar horas na internet com o coleguinha que mora do outro lado da rua. O computador silencioso, frio e onipresente, sintetizou, suprimiu, abreviou o prazer dos nossos filhos de brincar de amarelinha nas ruas, o encanto das férias na fazenda, o ninar das bonecas e o brincar de casinha com suas nanas e papas, que perdurava até às vésperas da adolescência. Em muitos casos, ele veio sorrateiramente preencher a ausência da mãe, que, assim como o pai, hoje, também sai igualmente de casa para trabalhar, deixando no lar um vácuo, abrindo uma lacuna que NINGUEM consegue preencher. Espaço este que, às vezes, se tenta preencher com a presença da empregada doméstica, atribuindo-lhe a função de lavar, passar, cozinhar e ainda cuidar das crianças por um salário mínimo. E esta, diante de tantas atribuições, dá graça à Deus quando a criança planta-se horas distraída em frente a um aparelho eletrônico.
Essa engenhoca, essa máquina deslumbradeira de sonhos, virou, na visão dos nossos, uma companhia, uma espécie de anjo da guarda sem alma e sem asas, um anjo de cara suja às avessas; uma espécie de brincadeira solitária, séria, individual, uma espécie de fio terra eletrônico em que as crianças e adolescentes despejam todas as suas energias, só que com outros tipos de peraltices...
...Elas dão uma voltinha e, quando a gente pensa que elas se esqueceram da pecinha anexa,... lá estão elas de novo teclando, vivendo a vida “di mentira” paralisadas diante da maquineta, reféns da atraente tela, enlouquecidas com a multiplicidade de mensagens que pipocam sem parar. E quando não, estão falando freneticamente ao celular, substituindo as queimadas e as peladas pelo ruidoso videogame convencional (que aos poucos também vem sendo destituído pelo poder atrativo do computador), deixando,assim, pouco espaço para o altruísta diálogo familiar.
Cabe aos pais e às escolas redirecionar o uso deste introspectivo brinquedo novo, que, usado de modo inadequado, pode virar uma verdadeira arma contra a vida familiar e a educação. Mas, que regrado, manipulado com sabedoria, vigília e sensatez, pode ajudar a diminuir a distância entre os países de primeiro mundo, e o fosso da educação dos de terceiro...
Com tanta preocupação me tirando o apetite, constato que eu estou só. Porque eu, João Tenório da Silva, sou o povo. Hoje, o povo não tem ninguém por si. É muito doloroso para um pai descobrir que os seus filhos também estão sós. Ao contrário de muitos governantes cercados de parlamentares eleitos de forma legítima, que, muitas vezes, nem parecem ser pais tamanha indiferença com os filhos dos outros – os pais de família “de verdade” sempre pensam no bem maior, porque eles são constantemente assolados pelo fantasma da empatia que herdam quando os filhos nascem. Quando os filhos vêm ao mundo, os pais sempre acham que os seus filhos terão um destino melhor que os seus. Daí, a minha grande frustração: olho para os meus filhos e vejo a mesma história medíocre da minha vida a se repetir.
Admito: eu sou um João ninguém... mas daí aos meus filhos, a sê-lo - não! ...E para pressagiar o futuro deles, nem preciso dos serviços de uma competente cartomante. Basta observar a abissal distância de conhecimento que existe entre os meus filhos e os primos mais privilegiados...
Com o mundo tão moderno, tão competitivo e tão cheio de novidades ameaçadoras, talvez a psicóloga da empresa tenha mesmo razão: preciso dar uma reciclada. Esta decidido: pelo bem dos pardais que eu tenho em casa para dar água, farei um esforço extra, deixarei a porta da boa vontade aberta para a inteligência emocional de Goleman entrar cachola adentro (eu não falei ainda pra vocês, mas tem um estagiário letrado na minha cola... aceitando ganhar cerca de 30% do que eu ganho para exercer a mesma função do que eu. E ele tem um marketing pessoal que me mata...). Tentarei também como estratégia de sobrevivência na selva, ser mais engraçado: no novo ano, farei um cursinho de humor negro com o Paulo Eduardo... e tentarei distribuir sorrisos encapsulados à vontade...
Mas, para as mulheres, más notícias – não pretendo fazer cirurgia para reduzir o estômago, implante de cabelo, ou mesmo me separar nos próximos 50 anos. A experiência de vida me ensinou que eu sou o que sou, e que, a essas alturas, vale mais uma pombinha leal na mão do que duas assanhadas voando.
Lya Luft, eu não tenho nada contra os seus livros. ...Eu sinto muito..., mas vou ter de te atirar a primeira pedra: sabe aquela mulher que você disse não existir, aquela, que jamais criticou as avacalhações do tempo... bem, você sabe... aquelas inevitáveis e indiscretas evoluções negativas da forma física humana (forma de bola) que chega com o avançar da idade? – ela existe sim senhora, mora aqui em Uberlândia, tem um metro e setenta de altura, pesa 64 quilos, tem uns pezinhos lindos, e diz que me ama com casca e tudo (e olha que além d‘eu ter um barrigão de chope, nem rico sou!).
Espelho, espelho meu... existe alguém mais sortudo no casamento do que eu???
...Pena que muito em breve o presépio de vidro voltará para a caixa de guardados... E com ele as fantasias encantadas de dezembro.
Quem ficou contente com a reeleição do Lula levante a mão... Para os demais, feliz natal!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
-Adeus ano velho!
Feliz ano novo!
Pronto. Acabou a trégua. Abriram a caixa de Pandora. É lá “em vem” o tropel do diacho do poder saltando na linha de frente, de novo!

VERA FORNACIARI

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

MONÓLOGO DA DESPEDIDA

MONÓLOGO DA DESPEDIDA

Talita:

Agora que a pressa e a juventude se foram com a sua vida cessada, e que você já mora em paz no jardim dos mortos - vou lhe contar um segredo: nós, atribulados viventes, seres humanos cristãos, temos muita dificuldade em compreender e aceitar os desígnios de Deus quando se trata de lidarmos com a dor da morte. Porque a morte representa, para nós, um quarto escuro, um terreno desconhecido, um pântano coberto por véus de mistério: o homem, com toda a sua sabedoria, a sua ciência e filosofia, ainda não conseguiu sequer compreender a morte – quanto mais superá-la!
Foge à nossa capacidade compreender como alguém que esteve ao nosso lado até há pouco, de repente, já não está mais - fechou os olhos para sempre, deixando os nossos corações angustiados, feridos de ausência, muitas vezes, sem ao menos ter tido a oportunidade da última despedida.
Mas, quem somos nós, seres de olhar de limitado alcance espiritual - para discutirmos a vontade daquele que tudo sabe e tudo pode?
E é por isso que, resignados, volta e meia ponderamos: ... Deus também precisa de anjos no céu para a concretização da sua obra... E deve ter sido por isto que ele a arrebatou, Talita – logo você foi a escolhida... Logo você, tão jovem, tão terna, tão cheia de sonhos...
Você tinha sonhos, Talita. Mas Deus tinha outros planos para a história da sua vida.
A nossa correria diária, o nosso egoísmo inerente a nós mesmos fazem com que nos esqueçamos frequëntemente de que a nossa vida não nos pertence. A nossa vida é dom de Deus, e só ele tem o direito de arbitrá-la. Por isso, quando no céu sobe a demanda por anjos, Deus vem a terra tomar de volta as nossas vidas que nos estavam apenas emprestadas.
Um dia, uma a uma ou em bandos, todas as nossas vidas serão levadas de volta ao juízo de Deus.
Nós aqui presentes, e representando aqueles que se fazem ausentes, estamos apenas no quinto período de publicidade na UNITRI, e tantas coisas já vimos acontecer neste tempo novo: muitos dos nossos companheiros já ficaram pelo caminho por diferentes motivos. E agora é você que também nos deixa, Talita. Mas, de todas as idas, de todas as partidas, de todas as perdas, Talita, você foi a mais triste, porque sabemos que você não voltará. Você não entrará por aquela porta, você não retomará o seu lugar vazio, porque o seu tempo acabou, ele se derreteu feito paredão de neve frente à quentura do sol da primavera...
Mas, para quem acredita verdadeiramente em Deus, e eu acredito, um consolo tênue: nós nos reveremos no dia da ressurreição...
Os desígnios de Deus são mesmo imperscrutáveis. Seus pais tinham sonhos lindos pra você, Talita. Mas Deus tinha outros planos para a trajetória da sua vida...
Descanse em paz, Talita... Amém!

VERA FORNACIARI